18 de outubro de 2012

Escolhendo não escolher

Os franceses possuem um interessante ditado sobre eleições: "No primeiro turno, você vota com a mão no coração; no segundo turno, com a mão no bolso". Óbvio que a metáfora se adequa muito melhor a realidade política francesa (e, em maior ou menor grau, as realidades européias ocidentais...) do que a nossa ainda mal consolidada estrutura política. Mas, enfim, dá para reconhecer sua validade entre nós.

Quando o candidato em que votamos no primeiro turno não conseguiu avançar para o segundo, o nosso movimento natural é procurar um candidato minimamente decente e que mais se aproxime de nossas convicções políticas. Claro que muitas vezes essa proximidade é apenas tênue, mas, em comparação com alternativa, as eventuais dúvidas ficam minimizadas. Voltando aos franceses, o exemplo clássico foi a esquerda votando maciçamente no conservador Jacques Chirac para derrotar o facista Le Pen. No Brasil, o exemplo mais claro que lembro é o apoio dos tucanos paulistas à Marta Suplicy contra Maluf.

Entretanto, e de uma maneira mais frequente do que gostaríamos, ficamos no segundo turno com duas alternativas que em quase nada nos entusiasmam (para usar uma expressão suave...). Ou ambos são ideologicamente controversos, ou são administrativamente temerários, ou são pessoalmente discutíveis. Ou ainda, e infelizmente, uma mistura potencializada de tudo isso.

Nesse momento aparece a opção de não votar em nenhum deles, escolhendo o voto nulo ou em branco (tanto faz, o efeito é o mesmo...). Alguns podem ver nisso a chance de mandar um "recado", ou mesmo a tentativa (na realidade inexistente...) de melar a eleição. Mas a maioria que toma esse caminho simplesmente não se sente representada por nenhum dos candidatos e não quer ser obrigada a fazer uma "Escolha de Sofia".

Eis que começaram a circular na rede diversas iniciativas atacando esse tipo de opção e, com um verniz "participativo", tentando forçar a escolha por um dos candidatos, como se isso fosse uma obrigação.

Primeiro, obrigatório no Brasil é o voto (e isso também rende uma bela discussão...), e não a escolha. Essa é totalmente pessoal, não subordinada a argumentações pseudamente democráticas onde é negado ao cidadão o direito de não decidir, se assim o desejar.

Na realidade, esse tipo de campanha tenta transformar o eleitorado que no primeiro turno não votou em nenhum dos dois concorrentes do segundo turno em uma verdadeira boiada, habitante de um "curral eleitoral" onde os candidatos remanescentes simplesmente aguardam tranquilamente um endosso às suas posições.

Na boa, pra cima de mim, NÃO.

13 de abril de 2012

100 anos de emoção

Nesse 14 de abril de 2012 uma instituição (na melhor acepção do termo) completa 100 anos.

Nada menos que o SANTOS FUTEBOL CLUBE, o alvinegro da Baixada Santista, o lugar que repetidamente prova que um raio pode realmente cair mais de uma vez no mesmo lugar .

Tenho um orgulho enorme de que essa instituição seja dona de metade da minha paixão futebolística (a outra metade é esta aqui), paixão essa forjada a ferro e fogo nos tempos áridos da Sampa do início dos anos 90.

Já escrevi várias vezes neste irregularíssimo blog sobre essa paixão, mas este texto aqui, o qual apenas transcrevi e adaptei, é o meu preferido. Preferi não atualizá-lo para este centenário com medo de cometer injustas omissões, tantos são os craques que estão em sua história.

Aliás, fico pensando em como seria se alguns supercraques que não envergaram aquela camisa branca tivessem a chance de defender o time da Vila Belmiro. É uma pena pensar que Rivelino, Tostão, Ademir da Guia, Didi, Mané Garrincha,Nilton Santos, Zico (para ficar só entre os brasileiros...) não puderam abrilhantar ainda mais seus já invejáveis currículos. Eles mereciam. Nós também.

 Melhor não me estender. Eu seria repetitivo.

Parabéns, Santos.

Os genuínos amantes do futebol agradecem por você existir.



24 de janeiro de 2012

Trem para lugar nenhum

Reproduzo abaixo, com pouquíssimas alterações, um comentário que postei no blog de um amigo:


Já que o assunto é metrô, aqui vai um desabafo de alguém em vias de ser discriminado. De cara peço desculpas, pois serei um pouco prolixo.

Fortaleza não tinha metrô. Tecnicamente ainda não tem, pois nenhuma obra foi entregue. Tudo o que tínhamos (temos) são duas linhas de trens urbanos/metropolitanos. Ambas saem do centro da cidade, da histórica Estação Central João Felipe, sendo que uma segue na direção Sul, até os municípios vizinhos de Maracanaú e Pacatuba, e a outra segue na direção Oeste, até o município de Caucaia.

Desnecessário dizer que as localidades citadas são cidades-dormitório, e que diversos conjuntos habitacionais foram construídos ao longo das linhas. E que a maioria do percurso até elas passa pelos bairros da classe media-baixa e pela periferia mais pobre.

Apesar de o tema “metrô” povoar o imaginário da cidade sabe-se lá desde quando, foi apenas no primeiro governo Tasso Jereissati (1986) que algo real começou tratado, mas de uma maneira pra lá de equivocada e ultravagarosa. Equivocada porque se aferrou (em sua quase totalidade) ao trajeto do trens já existentes, ignorando as mudanças que a cidade-área metropolitana vem passando. Ultravagarosa porque… Precisa explicar? Estamos em 2011 e NADA ainda funcionou…

Pois bem, depois que foi anunciado que a cidade seria uma das sedes da Copa 2014, acrescentou-se ao projeto uma linha de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), ligando o Porto do Mucuripe até o bairro Parangaba, de novo aproveitando uma linha de trens já existente (é nessa parte, do VLT, que estão havendo os maiores problemas com desapropriações, mas isso é outro assunto…).

As obras que vem sendo executadas até agora são exclusivamente na linha Sul. Previsão de entrega: só Deus sabe… O governo diz que os testes começam no final deste ano, mas não dá pra confiar.

Quando eu citei que o projeto é equivocado, uma das razões é que ele ignorava solenemente as áreas Leste e Sudoeste da cidade, coincidentemente onde mora a “elite” e onde o tráfego de automóveis chega a dimensão de “inferno”. Sempre se falou que uma linha deveria ser construída para atender essas áreas, mas o fato de necessitar ser totalmente subterrânea e em terreno que não favorece levaria o custo a valores astronômicos.

Bem, cerca de um ano atrás, saindo do nada, veio o anúncio do Governo do Estado de que essa linha Leste seria construída, e que os recursos, vários bilhões de reais, já estariam garantidos (a licitação inicial foi desencadeada uns 60 dias atrás).

Beleza. O problema é que as notícias relativas as obras da Linha Oeste desapareceram quase completamente do noticiário, e quando ressurgiram falavam de uma simples troca dos veículos e quase nada além.

Curioso com sou, cerca de umas 3 semanas atrás liguei para a companhia que gerencia todo o processo, a METROFOR. Pedi para falar com a área de comunicações e expus minhas dúvidas. Meio constrangido, meio resignado, um funcionário confirmou minhas piores suspeitas. Simplesmente, o governo jogou o projeto da linha Oeste para as calendas, e vai realizar apenas um serviço apenas cosmético, exceto pelos trens, que serão similares aos do VLT. Com isso vai centrar esforços na linha Leste, a dos bairros “cartão-postal”. Só após isso a linha Oeste seria realmente modernizada. Minha previsãode entrega: lá pela Copa de... 2026.

Enquanto isso, o povão que se f…

Pra terminar: este indignado que vos escreve precisa dizer em que parte da cidade mora?

23 de janeiro de 2012

Fazendo falta, cada vez mais


Um dos meus maiores orgulhos foi poder encontrá-lo pessoalmente, mesmo de forma pra lá de rápida. E a lembrança nítida de seu aperto de mão não se apagou de minha memória, mesmo depois de mais de 30 anos. (Engraçado: antes dele, pude conhecer alguns de seus maiores amigos e colaboradores, muitos deles personagens memoráveis por si só. Ele ficou quase para o fim da fila, e de meu tempo de militância...).

Ontem, 22 de janeiro, ele completaria, se ainda vivo fosse, 90 anos.

Mesmo as discordâncias que tive (e tenho) quanto a alguns dos posicionamentos políticos que ele tomou não obscureceram a minha enorme admiração.

E vendo o tipo de país que estamos nos tornando, fico com a certeza: cada dia que passa, ele faz mais falta...

Ele, o "Engenheiro".

Leonel de Moura Brizola.






16 de setembro de 2011

O que será que aconteceu ?

Voltamos ao ar em edição extraordinária...




Foi noticiado ontem na Argentina o falecimento de Juan Carlos Lopez.

Ele era, nada mais nada menos, que o noivo daquelas duas gêmeas argentinas das quais tratamos aqui em priscas eras...

Juan, que tinha apenas 37 anos, faleceu de um "extraño trastorno nervioso", do qual sofria a algum tempo, tendo inclusive ficado internado em uma instituição psiquiatrica. (Alguns detalhes aqui, aqui e aqui.)

Isso mesmo, a única explicação que veio a tona foi essa: "extraño trastorno nervioso"...


Alguém arrisca uma versão ?

29 de agosto de 2011

Hoje acordei feliz


Para quem não conhece, esses são Victória e Raphael.

Minha filha mais velha e seu namorado.

Aliás, desde ontem à noite, seu noivo.


Palavras não são suficientes para demonstrar minha alegria. Por isso, nem sei se devo tentar...

Por enquanto, me contento em desejar um Universo de felicidades para o casal...



4 de agosto de 2011

O que é que a baiana tem

Esse texto eu vi em uma faixa pendurada nas ruas de Fortaleza:


"Karl Marx,

Isto aqui é apenas para mostrar a você e a todo mundo o quanto eu te amo.

Ass.: Baiana"


Nada demais, a não ser que a tal faixa está diretamente defronte ao portão principal de um quartel da Marinha.



(Eu voltei... e talvez fique)

17 de janeiro de 2011

Toda a sorte do mundo

Peço licença a vocês para um momento bem pessoal.

Pouco mais de 3 anos atrás eu postei sobre uma reportagem que saíra em jornal daqui sobre o cantor Belchior (bem antes dele dar aquela sumida fake...), e falei que ela havia sido escrita por uma sobrinha que estava formando-se em Jornalismo.

Pois bem, exatamente hoje ela vai se casar.

A primeira dos quinze sobrinhos e sobrinhas que ganhei através da minha esposa a resolver bater as asas (os três filhos de minha irmã mais velha já casaram). A quase irmã da minha filha mais velha e, ao mesmo tempo, guru da minha filha mais nova...

O que dizer para vocês, Mara e Jivago? Desejar toda a sorte do mundo, especialmente com vocês indo começar a nova vida longe de casa, nos States.

Se bem que sorte vocês tiveram realmente foi quando se conheceram...

Um beijo do tio.

30 de dezembro de 2010

Sinal de vida

Ei! Ói nóis aqui outra vez...

Por enquanto só de passagem, para marcar o final de 2010 e avisar que este semi-abandonado boteco não fechou definitivamente.

Esse ano que termina foi tudo, menos monótono. Tanto no campo pessoal (aí inclusa a parte profissional), quanto no que se refere a esse nosso mundinho quase sem jeito, as coisas foram bem movimentadas. Nem sempre o movimento foi no melhor dos rumos, mas paciência...

E aqui faço uma mea-culpa. Apesar de várias e boas justificativas para a falta de atualizações, não precisava ter largado o De Olho tão ao deus dará... Por isso, fica o aviso (ou seria a ameaça?) ao estilo Douglas MacArthur: NÓS VOLTAREMOS !!!


Um excelente 2011 para todos nós !!!

28 de setembro de 2010

Declaração de voto

Estão chegando as eleições, felizmente e, ao mesmo tempo, infelizmente.

Felizmente porque chega ao fim o famigerado Horário Eleitoral Gratuito (que nada tem de gratuito, diga-se de passagem...), que pouco ou nada acrescenta à formação política de ninguém.

E infelizmente porque termina o melhor programa humorístico da televisão brasileira, o Horário Eleitoral Gratuito.

Não, eu não estou me contradizendo de forma alguma. O quase interminável desfile de candidatos carrega simultâneamente essas duas caracteristicas, e enquanto o processo político-eleitoral brasileiro não sofrer uma reforma profunda isso continuará acontecendo. Mas isso é papo pra outra hora... Quem sabe muito em breve...

A intenção deste post é fazer a minha declaração de voto, sempre que possível com as devidas explicações.

Começo pela Presidência da República, e reconheço que essa foi uma escolha menos complicada do que parecia no início do processo, no meio do ano passado. Na época, temi que as restrições que fazia (e faço) aos horrorosos desdobramentos da política de alianças do governo Lula, somada a uma certa implicância pessoal que tinha com a candidata Dilma Roussef, me fizessem procurar uma opção. Pesei um voto em Marina, conjecturei um voto em Plínio (algo mais recente), admiti até o voto em branco. Entretanto, tudo relacionado à lamentável (sob todos os ângulos que se tente observar) campanha de José Serra me fez raciocinar que ainda não é hora de baixar a guarda. Voto em Dilma Roussef. Além de uma história de vida admirável (temos em comum uma passagem pelo PDT), ela é a garantia de que as políticas sociais do governo Lula não serão abortadas. Por enquanto, isso me basta. Outras cobranças deixarei para depois.

Para Governador do Ceará, admito que me sinto completamente órfão de candidatos minimamente viáveis e palatáveis. Dos três principais (Cid Gomes, do PSB e aliados; Lúcio Alcântara, do PR-PPS; e Marcos Cals, do PSDB-DEM), Cid é o menos ruinzinho, mas ainda assim em um nível desanimador. Teve um mandato inteiro para tentar mudar algo no estado, e não conseguiu fazer quase nada de relevante. Foi praticamente uma continuação do governo anterior, de Lúcio Alcântara. Sem contar que sermos obrigados a aturar o prepotente e autoritário clã dos Ferreira Gomes (Ciro, Cid e Ivo) é dose pra leão... Infelizmente os demais candidatos são totalmente irrelevantes politicamente. O PSOL até tinha quadros para lançar alguém merecedor do meu voto, mas esses quadros optaram por concorrer a cargos legislativos. Enfim, meio contra a vontade, sinto-me compelido a votar em branco para o Governo do Estado.

Para Senador, um dos votos foi óbvio: José Pimentel, do PT. O atual deputado federal e ex-ministro da Previdência é uma das mais dignas figuras que se meteram a fazer política aqui no estado nas últimas décadas.

O outro candidato ao Senado pela coligação que apóia Dilma é o também deputado federal Eunício Oliveira, do PMDB, figura de passado e presente envolto em histórias nada edificantes e que faz política usando os muitos milhões de reais de sua fortuna pessoal, vinda principalmente do ramo de segurança privada (ele é o controlador de algumas das maiores empresas do ramo no país). Do outro lado, temos a candidatura à reeleição de Tasso Jereissati, do PSDB, personagem que dispensa maiores explicações, exceto para assegurar aos gentis leitores que não moram no estado que ele é muito pior dentro da política estadual do que vocês possam imaginar. Isso posto, é claro que não daria meu voto a nenhum dos dois, e optei por dar meu segundo voto para Senador ao candidato Tarcísio Leitão, do PCB, um histórico combatente contra as oligarquias locais. Ele não tem a menor chance de vencer, mas minha consciência ficará tranquila...

O meu voto para Deputado Federal foi o primeiro a ser definido. Poderia até dizer que já era certo já fazem quase 30 anos, que foi quando conheci Chico Lopes, candidato à reeleição pelo PCdoB, e a quem tenho a honra de chamar de amigo. Nos diversos mandatos como vereador, deputado estadual e deputado federal, Chico Lopes sempre se portou exemplarmente, tanto política quanto pessoalmente. E é um dos melhores papos que conheço...

Para Deputado Estadual, meu voto ficou balançando entre a legenda do PCdoB e o voto no candidato à reeleição Heitor Ferrer, do PDT. Apenas nessa reta final resolvi escolher Ferrer, que tem sido uma voz quase solitária na Assembléia Legislativa enfrentando o rolo compressor da maioria governamental montada por Cid Gomes, e mesmo assim incomodou bastante. Além disso, Ferrer é do PDT, e minhas origens brizolistas costumam dar sinal de vida nessas horas.

13 de agosto de 2010

Na batalha sobre uma Universidade, começa a luta pelo futuro do Irã

Tendo em vista o pouco que se publica em português (e com um mínimo de conhecimento do assunto...) sobre a situação interna no Irã, resolvi colocar a seguir a tradução de um texto de Daniel Berman no blog FiveThirtyEight, e que desnuda alguns fatos que não costumam aparecer com frequencia na mídia ocidental.

(Para quem tiver facilidade com o inglês, sugiro ir direto ao texto original, incluindo um interessante debate nos comentários, até porque como tradutor sou apenas esforçado...).


Nos últimos meses, a política interna iraniana perdeu espaço na mídia ocidental, especialmente pelo foco voltado para os problemas do Iraque e do Afeganistão, ficando apenas as discussões intermináveis sobre o programa nuclear do Irã. Mas isso não significa que a luta política dentro do regime parou. Os últimos três meses tem sido dominados por um confronto entre o presidente e o Parlamento, a partir da tentativa do governo de Mahmoud Ahmadinejad de aprovar uma lei que possibilitasse assumir o controle da maior universidade privada do Irã, o que provocou um choque com o Principalistas (termo que os fundamentalistas usam para si próprios), majoritária na Majlis, o Parlamento do Irã . Este conflito, por sua vez, prenuncia uma grande luta pela sucessão do presidente e, especialmente, do Líder Supremo Ali Khamenei.

A batalha sobre a Universidade Azad, um sistema de campi que atende mais de um milhão de estudantes, é tudo menos uma questão acadêmica, a partir do patrimônio líquido da instituição, estimado em cerca de 250 bilhões de dólares. Porque a universidade está intimamente ligada com o ex-presidente Rafsanjani, a disputa é parcialmente um esforço por Ahmadinejad para atacar seu poderoso rival, e em parte uma tentativa de reprimir a agitação estudantil, assumindo o controle da maior universidade do país - uma universidade que, até recentemente, havia sido um refúgio seguro para a oposição. Mais importante, porém, o conflito representa a alteração das posições políticas do Presidente e do Líder no mundo criado pela eleição presidencial de 2009.

Central para a essa nova ordem das coisas, é a independência do presidente em relação ao Líder. As notícias no momento das eleições foram fortemente focada na pessoa de Khamenei, algo que foi, em muitos aspectos incentivado pelo próprio Ahmadinejad, que parecia tentar, à sua maneira, separar-se dos acontecimentos. Ahmadinejad deixou o país um dia depois que os resultados foram anunciados, e ainda criticou (ao menos oficialmente e de maneira pouco enfática) a repressão que se seguiu. Contrariamente às sugestões de que a natureza de sua reeleição iria enfraquecê-lo, Ahmadinejad emergiu ainda mais forte, até porque Khamenei, no decurso das eleições, perdeu parte de seu poder simbólico ao tomar partido. Na realidade, a autoridade do líder sempre dependeu de sua mediação entre as facções e, embora muitas vezes alinhado com Ahmadinejad, o próprio fato de que ele poderia a qualquer momento intervir apoiando os adversários do Presidente fez com que o apoio dele fosse vital para os aliados de Ahmadinejad. Entretanto, com os adversários impotentes, a importância e a influência de Khamenei diminuiu dramaticamente, e ele foi forçado a se mover para criar uma nova força de compensação que ele possa usar contra as ambições do presidente.

Isso explica os desesperados apelos de Khamenei para figuras como Rafsanjani, instando-os a permanecer dentro do sistema, bem como a sua recente declaração de que os iranianos tinham uma obrigação religiosa para obedecer ao Líder. Ahmadinejad pode ser muitas coisas, mas tolo não é uma delas, e ele está claramente consciente de onde se encontram os últimos obstáculos ao seu poder pessoal. Na verdade, ele começou a se mover contra eles mesmo antes das eleições do ano passado, quando demitiu o seu ministro do Interior, Mostafa Pour-Mohammadi, após este último ter feito um relatório confidencial ao Líder sobre irregularidades nas eleições de 2008 para o Majlis. Tradicionalmente os presidentes iranianos aceitam as indicações do Líder para o Ministério do Interior, e Khamenei deixou claro o seu descontentamento com a demissão, fazendo de Pour-Mohammadi seu conselheiro pessoal em questões de segurança. O atual embate sobre a Universidade explicitou o confronto, pois ao invés de ser entre um grupo de "conservadores dissidentes" e o Presidente, é com Ali Larijiani, o Presidente do Majlis, que é um ex-membro da equipe de assessores de Khamenei, e que já representou o Líder internacionalmente. O simples fato de Larijiani, um homem tão próximo de Khamenei, estar agora à frente de uma coalizão que se estende desde os poucos reformistas ainda restantes no Majlis até a corrente majoritária dos Principalistas é sintomática do grau em que Ahmadinejad é temido em círculos poderosos.

A questão da sucessão do Líder destaca-se dentre esses temores. Com Khamenei tendo já 75 anos, as manobras relativas a sucessão de manobras vem tendo em curso há algum tempo. São amplamente conhecidos rumores de que Mojtaba Khamenei, o filho do atual Líder, está interessado na posição, e que esse interesse está por trás de seus esforços em nome de Ahmadinejad, tanto em 2005 (quando ele pediu à Guarda Revolucionária para fazer campanha em favor de Ahmadinejad), quanto em 2009 (quando é dito que ele foi muito mais longe). Porém, Mojtaba não é um aiatolá, e tem poucas credenciais religiosas, e apesar disso poder torná-lo atraentemente fraco para o círculo de poder do presidente, todos os esforços para elevá-lo seriam repletos de dificuldades, exatamente pelas mesmas razões. Como conseqüência, ele parece ser o único a levar sua candidatura à sério. Mais plausível como candidato é o aiatolá Taqi Misbah-Yazdi, mentor religioso do Ahmadinejad. Visto como o ideólogo da extrema-direita religiosa em Qom (centro religioso iraniano), Misbah-Yazdi tem reiteradamente defendido a utilização da violência como justificável em disputas políticas, e há rumores de que no ano passado que ele ainda mais longe, com a emissão de um decreto religioso apoiando o assassinato de manifestantes . Ele defendeu atentados suicidas, afirmando que "quando a proteção do Islã e dos muçulmanos depender de operações de martírio, elas não só são permitidas, mas se tornam uma obrigação. "

A perspectiva de Misbah-Yazdi como líder é algo que não deve assustar apenas os iranianos. Um regime iraniano liberado mesmo da ficção de um compromisso com a democracia seria um potencial aliado de ditaduras ou de grupos extremistas em todo o Terceiro Mundo, ao mesmo tempo que o zelo revolucionário internacionalista de Misbah-Yazdi e seu círculo, em falta na elite iraniana desde a década de 1980, seria dado "à rédea solta". As consequências para o Ocidente seriam enormes, indo desde questões como conflito entre Israel e os palestinos até a luta contra a proliferação nuclear, especialmente com um regime que não só não se preocuparia com o isolamento que as sanções internacionais trazem, mas que poderia até recebê-lo (o isolamento) de bom grado. Misbah-Yazdi indicou que ele vê asinfluências estrangeiras como a força motriz por trás da alienação da juventude iraniana em relação ao islamismo, e que as perspectivas de investimentos estrangeiros seriam a motivação por trás da "apostasia" de figuras como Rafsanjani. Parece duvidoso que ele encontraria muito o que temer nas ameaças de novas sanções por parte do governo Obama.


Dada a importância da posição para o futuro do Irã, é improvável que as forças anti-Ahmadinejad no Irã se finjam de mortas. A eleição para a Assembleia dos Peritos, em 2006, foi uma das poucas ocasiões em que o Conselho dos Guardiões, normalmente não desafiador, se postou contra o Presidente, desqualificando um grande número de candidatos pró-Ahmadinejad, incluindo o filho de Misbah-Yazdi. Quando a Assembléia se reuniu para eleger seu Presidente, Rafsanjani derrotou Misbah-Yazdi por uma votação de 41-31, com o presidente do Conselho dos Guardiões, o linha-dura aiatolá Jannati, tendo 14 votos. A vitória de Rafsanjani,entretanto, revelou-se limitada. Sua base de apoio falhou em permanecer unida em face da intimidação pelos Basij (forças paramilitares) no verão passado, e não há razão para acreditar-se que faria muito melhor agora e no futuro próximo, quando os riscos são potencialmente maiores.

Como conseqüência, enquanto Rafsanjani prefere sua própria candidatura, e os reformistas preferem qualquer não-Principalista, a alternativa mais provável para Misbah-Yazdi é provavelmente um Principalista anti-Ahmadinejad, com o nome de Hashemi Shahroudi, o ex-chefe de Judiciário. Um dos líderes da repressão judicial aos reformistas ligados ao ex-presidente Mohammad Khatami, Shahroudi dificilmente poderia ser tomado como um moderado, mas ele tem sido um forte crítico de Ahmadinejad, atacando a concentração de poder econômico e político nas mãos da Guarda Revolucionária e criticando a mídia estatal para cobertura das eleições, que ele alegou ter sidoi tendenciosa em favor do presidente. Esse é um testemunho da fraqueza política dos reformistas, e até mesmo dos Principalistas moderados, que são susceptíveis de estar na posição de apoiar um homem que o prendeu milhares de jornalistas e ativistas pró-democracia, mas é a oposição à Ahmadinejad e não a ideologia que une a oposição iraniana, ou pelo menos as partes que permanecem dentro do regime.

Isto é, se eles seguirem as regras. Na atual disputa, Ahmadinejad mostrou poucos sinais de estar disposto a deixar a oposição do Majlis detê-lo. Logo após a votação e aprovação da lei, os Basij fizeram um grande protesto na frente do prédio do Majlis, insultando seus membros como ladrões, e no dia seguinte, eles impediram a entrada de deputados suficientes para conseguir uma maioria para a inversão da votação anterior. Pouco tempo depois, o aiatolá Sadegh Larijani, líder do Judiciário, invalidou uma decisão judicial que havia suspenso os efeitos da nova lei. Enquanto o Líder Supremo interveio em 25 de julho, pedindo que as partes recuassem, um analista político iraniano disse ao Turkish Weekly que "O Líder Supremo já não detém o poder de conduzir os fatos. Muito em breve, uma nova rodada na luta pela Universidade Azad começará”.

5 de agosto de 2010

Voltando à vidinha de sempre

Acabaram as (curtas) férias e, para recomeçar, nada melhor que uma imagem que parece meu atual estado de espírito. (Ok. Menos...)


Havasu Falls, Grand Canyon, Arizona.
Fotógrafo: Ryan C. Malone

12 de julho de 2010

Depois da festa, a realidade

No post anterior falamos da efervescência política na Catalunha, e da enorme manifestação em Barcelona na véspera da final da Copa do Mundo.

Com a Espanha campeã, as opiniões se dividiram. Alguns analistas crêem que o título poderá ajudar a "unificar" o país, mesmo com as flagrantes diferenças culturais e históricas entre suas regiões. Outros acreditam que especialmente entre os catalães, maioria na seleção campeã, as exigências por maior autonomia, chegando mesmo até a independência, vão aumentar.

Estou entre os que acreditam que a unidade do estado espanhol será bastante testada no futuro próximo.

E uma imagem é bem sintomática:


Puyol e Xavi, expoentes da seleção espanhola, comemoram o título, ainda no gramado, carregando a Taça FIFA e a bandeira... da Catalunha.

10 de julho de 2010

A Espanha em uma encruzilhada

A Copa do Mundo termina amanhã, com Espanha e Holanda fazendo o jogo final.

Mas o assunto aqui não será o futebol, apesar deste não ser totalmente alheio ao tema.

Em meados da semana que passou o Tribunal Constitucional espanhol (o equivalente ao nosso STF) divulgou o teor completo de uma sentença que responde a questionamentos feitos pelo conservador Partido Popular sobre a constitucionalidade de grande parte das cláusulas do Estatuto de Autonomia da Catalunha, aprovado em referendo no ano de 2006.

Na sentença, a corte declara inconstitucionais diversos itens do Estatuto e reinterpreta vários outros. Os mais significativos, politicamente falando, são a negação da existência jurídica de uma "nação catalã" (inclusive com a declaração de inexistência de "direitos históricos" que fundamentem o governo autônomo catalão), a restrição ao uso preferencial da língua catalã e a restrição da autonomia do judiciário regional.

Um resumo do documento já era conhecido desde Junho, e provocou imensa reação na Catalunha. Tanto que praticamente todas as organizações políticas, culturais e esportivas se uniram para convocar uma manifestação neste sábado em Barcelona que reuniu algumas centenas de milhares de pessoas (o número exato é controverso, mas certamente foi a maior manifestação nacionalista catalã desde o fim do franquismo).

O tom na manifestação deveria ser apenas de repúdio a decisão do Tribunal, e em defesa do Estatuto. Porém o que se viu foi um grande apoio às posições no rumo da independência total da região. A extensão exata desse apoio se verá nas eleições regionais que acontecerão em breve, quando os partidos independentistas tentarão assumir o controle do Governo Autônomo.

Mesmo espanhóis de outras regiões temem a extensão das consequencias da decisão judicial, e que ela possa inviabilizar o Estado Espanhol baseado em comunidades autônomas.

Em resumo, na véspera daquilo que pode ser uma celebração da Espanha moderna, democrática e multicultural, a unidade do país passou a ser ameaçada de uma forma inesperada e séria.

As próximas semanas serão bem agitadas na península...