9 de agosto de 2009

Um ano sem Mahmud Darwish


Hoje completa-se um ano da morte de Mahmud Darwish, o principal poeta palestino e redator da Declaração de Independência da Palestina.

O melhor texto que encontrei sobre ele em língua portuguesa é do escritor português José Saramago, em seu blog:

"No próximo dia 9 de Agosto cumprir-se-á um ano sobre a morte de Mahmud Darwish, o grande poeta palestino. Fosse o nosso mundo um pouco mais sensível e inteligente, mais atento à grandeza quase sublime de algumas das vidas que nele se geram, e o seu nome seria hoje tão conhecido e admirado como o foi, em vida, por exemplo, o de Pablo Neruda. Enraizados na vida, nos sofrimentos e nas imortais esperanças do povo palestino, os poemas de Darwish, de uma beleza formal que frequentemente roça a transcendência do inefável numa simples palavra, são como um diário onde vieram sendo registados, passo a passo, lágrima a lágrima, os desastres, mas também as escassas, ainda que sempre profundas alegrias, de um povo cujo martírio, decorridos sessenta anos, ainda não parece disposto a anunciar o seu fim. Ler Mahmud Darwish, além de uma experiência estética impossível de esquecer, é fazer uma dolorosa caminhada pelas rotas da injustiça e da ignomínia de que a terra palestina tem sido vítima às mãos de Israel, esse verdugo de quem o escritor israelita David Grossmann, em hora de sinceridade, disse não conhecer a compaixão.

Hoje, na biblioteca, li poemas de Mahmud Darwish para um documentário que será apresentado em Ramala no aniversário da sua morte. Estou convidado a lá ir, veremos se me será possível fazer essa viagem, que certamente não seria grata à polícia israelita. Recordaria então, no próprio local, o abraço fraterno que nos demos há sete anos, as palavras que trocamos e que nunca mais pudemos renovar. Às vezes, a vida tira como uma mão aquilo que tinha dado com a outra. Assim me aconteceu com Mahmud Darwish."

Bem, quando um Prêmio Nobel compara alguém com outro Prêmio Nobel, quase nada mais precisa ser acrescentado.

Talvez apenas uma frase e um poema.


" Eu continuarei a humanizar mesmo o inimigo ... A primeira professora que me ensinou hebraico era uma judia. O primeiro amor na minha vida foi uma jovem judia. O primeiro juiz que me mandou para a prisão era uma mulher judia. Portanto, desde o início, eu não vejo os judeus como demônios ou anjos, mas como seres humanos. Vários dos meus poemas são para amantes judaicas. Estes poemas tomam o lado do amor, não da guerra. "


Confissão

Sonhei com um casamento
Sonhei com um par de olhos enormes
Sonhei com a garota das traças
Sonhei com uma oliveira que não se vende
Por uns poucos centavos
Sonhei com as impossíveis muradas da história
Sonhei com o cheiro das amendoeiras
Amparando as tristezas das longas noites
Sonhei com a família
E os braços de minha irmã
Me protegendo como um escudo de heroísmo
Sonhei com uma noite de verão
Com uma cesta de figos
Sonhei muito mais
Me desculpe por isso....


8 comentários:

Anrafel disse...

Trechos de "Estado de Sítio":

"Vós, que estais na ombreira da porta, entrai
E bebei conosco o nosso café árabe
Porque podereis sentir que sois humanos como nós.

...

"Se tivesses deixado o feto mais trinta dias
As coisas teriam sido diferentes
A ocupação poderia ter acabado
E a criança poderia não se lembrar dos dias de cerco
E tornar-se-ia num menino saudável
E estudaria a história antiga da Ásia
Na mesma universidade que uma das tuas filhas
E poderiam apaixonar-se
E poderiam ter uma filha
(que seria judia por nascimento).
Agora, o que fizeste?
Agora a tua filha é uma viúva
Agora a tua neta é órfã.
Que fizeste à tua família dispersa,
Como é que pudeste matar três pombos com uma única bala?"

*****

Hoje também é aniversário da bomba de Nagasaki. Catatau lembrou lá no Pandorama.

Luiz disse...

Brilhante escolha, Anrafel.

Quando fui escolher um poema para colocar no post fiquei com uma dúvida cruel (que ainda continua...), tantas eram as obras de extrema qualidade do Darwish. Acabei escolhendo um mais curto...

E sobre Nagasaki, além de tudo que já foi dito, é bom lembrar que a cidade era apenas um alvo secundário. O alvo primário era Kokura, mas a situação climática não permitiu.

Anrafel disse...

Que situação para um "já que não tem tu, vai tu mesmo"!

E, desculpando-me pelo lapso, bom dia.

Nat disse...

Eu vinha dizer algo, mas a hora do comentário do Anrafael em um Domingo me deixou sem palavras...

Nat disse...

Não era nada demais, eu só ia dizer que tenho O Jardim Adormecido e que Mahmud Darwish é demais...

Ricardo Cabral disse...

Darwish, de quem só tive detalhes depois que vc me atualizou... Vida longa aos seus poemas, e que pereçam logo parte dos absurdos que lhe serviram de inspiração.

Abraço, meu amigo Luiz

Anrafel disse...

Nat,

Mais estranho do que comentar às 6:29 dum domingo é ir dormir às 21:30 dum sábado.

Luiz disse...

Os comentaristas deste blog são duca...