23 de outubro de 2009

Encadeamentos

Nunca é demais repetir: é extraordinário como funcionam os mecanismos da memória. Fatos que se passaram muito tempo atrás frequentemente reaparecem, como do nada, bastando o estímulo correto. Ao mesmo tempo, episódios de ontem (literalmente) costumam sumir de nossa mente... (Aliás, acho que já andei falando desse tema neste espaço... Isso: foi aqui.)

Outro mecanismo interessante é a forma como assuntos se encadeiam em nossa mente, um puxando o outro, parecendo uma espiral sem fim.

Trago este tema a partir de uma conversa despretensiosa que tive dias atrás com meu filho. Aliás, despretensioso foi o início do diálogo, que logo enveredou por caminhos muito interessantes, apesar de, como ficará claro, acabarem circulando ao redor de um centro imaginário.

Uma das (muitas) coisas que meu filho e eu temos em comum é adorar futebol. Qualquer torneio, por mais irrelevante que pareça a princípio, merece a nossa atenção. Se for a eliminatória européia para a Copa do Mundo, então nem se fala... O que desencadeou a conversa foi o sorteio para a repescagem. Dois países pelos quais tenho uma simpatia que transcende em muito o esporte, no caso Irlanda e Bósnia-Herzegovina, não deram sorte e vão pegar França e Portugal, respectivamente.

E foi aí que a avalanche mental entrou em ação...

Primeiro, lembrei de clubes de futebol que representam comunidades, como o Celtic, de Glasgow, que historicamente representa a comunidade irlandesa na Escócia. Para lembrar das ligações entre Escócia e Irlanda foi um pulo...

Os dois países tem, pela proximidade, um histórico de inter-colonização, facilitada pelas origens celta de ambos os povos. Na primeira parte da Idade Média, foram imigrantes irlandeses, e entre eles monges, que solidificaram o cristianismo na Escócia. Em contra-partida, foram imigrantes vindos da Terras Baixas Escocesas que, quase 1000 anos depois, formaram o principal núcleo de colonizadores trazidos pelos ingleses para ocupar o norte da Irlanda, o Ulster.

Mas falar de irlandeses, imigração e futebol também acabou evocando o Everton, da velha Liverpool, o que fez aflorar outra das minhas paixões, os Beatles, em especial algo que aprendi recentemente. Vocês por acaso sabiam que 3 dos Beatles tem (ou tinham) ascendência irlandesa? Paul, John e George tem (ou tinham) um pezinho na Ilha Esmeralda. Tanto que, por ocasião do massacre que ficou conhecido como Bloody Sunday (aquele mesmo, da música do U2...), em 1972, Paul e John, já em suas carreiras solo, deixaram seus protestos em forma de música. A de Paul, "Give Ireland Back to the Irish", foi a primeira de suas composições solo a ser banida pela BBC.

Pensando bem, não é de se admirar que 3 dos Fab Four tivessem laços com a Irlanda, já que Liverpool é a cidade inglesa com mais forte influencia irlandesa. E o que o Everton tem com tudo isso? Os Beatles nunca foram fãs explícitos de futebol, mas quando falavam do assunto sempre afirmavam sua predileção pelo Everton, que tem suas raízes na comunidade irlandesa da cidade.

Repararam como futebol, política, música, tudo se entrelaça? Talvez seja porque o mundo não é um amontoado de compartimentos estanques, ao contrário do que alguns nos querem fazer acreditar. Pare para pensar por apenas 1 minuto, e verá que os encadeamentos são infinitos, e nossa memória costuma fazer o trabalho direitinho...

21 de outubro de 2009

Blogs: uma análise (atualizado)

"Autores de blogs que não são considerados “profissionais”, que blogam por hobby, estão atualizando menos ainda os seus sites. Desses que blogam menos, 30% vem se dedicando mais a redes de microblogs e a interação em plataformas de redes sociais.

Entre os considerados “profissionais”, o cenário é diferente. Eles estão blogando cada vez mais. Em parte por que encontram o seu público e estão interagindo mais com ele, além do fato de que o blog tem se provado como uma eficiente ferramenta de autopromoção."

Parte de um post do excelente Tiago Doria, em que ele continua dissecando um estudo denominado State of the Blogosfhere, feito pelo agregador Technorati. Eu disse continua porque o primeiro post do Tiago sobre o assunto é este aqui.


Olhando para meu próprio umbigo, e dando uma espiada na blogosfera mais próxima, tenho todas razões para concordar com as conclusões do estudo.

Mas talvez o efeito mais importante porém ainda menos analisado das redes de microblogging e das redes sociais nos blogs seja a diminuição dos comentários, tanto em número quanto em tamanho.

No meu caso, o Twitter não é causa de nada. Até tenho um perfil lá, mas pouco escrevo, sou basicamente um leitor.

Os motivos da rarefação dos posts aqui neste boteco é a falta.

Falta de tempo, falta de inspiração, falta de ânimo, ...


Atualização: O Tiago Doria continuou o assunto aqui, aqui e aqui.

17 de outubro de 2009

Horário de Verão: será realmente necessário ?

Vai começar a vigorar hoje o Horário de Verão. Em dez estados e no Distrito Federal os relógios deverão ser adiantados em uma hora.

Seguindo o disposto em um Decreto de 2008, todos os anos o esse procedimento deverá ser implementado à zero hora do terceiro domingo de outubro e vigorará até a zero hora do terceiro domingo de fevereiro do ano subsequente (exceto se coincidir com o domingo de Carnaval, o que adia em uma semana o encerramento).

Minha dúvida é: isso é realmente necessário? Esse alteração traz reais e indispensáveis benefícios? E a quem ele de fato beneficia?

Primeiro, a base científica para o Horário de Verão leva em consideração que sua implantação se justificaria nas regiões onde a variação de incidência de luz solar entre as estações for significativa. Isso ocorre nas áreas de latitude mais alta, especificamente aquelas situadas ao norte do Trópico de Câncer e ao sul do Trópico de Capricórnio.

O Brasil tem apenas a sua Região Sul (mais uma parte do estado de São Paulo) enquadrados na área acima descrita. Entretanto, o Decreto que regula o assunto inclui outros 7 estados onde a diferença de tempo de luz natural é muito menos significativa. Alguns casos beiram o ridículo, como o do Mato Grosso. O extremo sul do estado está aproximadamente no paralelo 17, ou seja, uns 700 quilômetros ao norte do Trópico de Capricórnio, o que faz com que a diferença de insolação seja muito pequena. O centro e o norte do estado então nem precisa falar...

Da mesma forma, muitas áreas de Goiás e Minas Gerais estão a mais de 1000 quilômetros ao norte da linha imaginária, e o Distrito Federal a mais de 800 quilômetros. E pensar que em décadas passadas quiseram obrigar o Nordeste a adotar a medida...

Outro fato relevante, na mesma linha: o Brasil é o único país equatorial (e mesmo inter-tropical) que adota o Horário de Verão.


Adoção do Horário de Verão por país


A alegação de economia de energia também não se sustenta. Mesmo em anos de muita redução de consumo, esta não alcançou 5%. Nunca as metas estabelecidas foram alcançadas. O único local onde isso acontece é ... a Região Sul. Será coincidência?

Claro que, em anos de estiagem mais severa, quando o nível dos reservatórios das usinas de geração de energia hidrelétrica estiver abaixo do normal, a medida teria sua importância, mas esses tem sido anos de exceção.

Segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), o nível dos reservatórios da região Sudeste no final de setembro de 2009 (70,31%) era o maior dos últimos 10 anos para o período. Já o nível dos reservatórios da região Sul (94,41%) era o 2º mais alto (perdia para o ano de 2005). Nota-se que a situação atual é muito confortável, tanto que diversas usinas termoelétricas à gás foram desligadas.

E mesmo os horários de pico estão com razoável margem de cobertura, até em virtude da queda do consumo provocada pela crise financeira e ainda não totalmente recuperada. Ao mesmo tempo, diversas pequenas e médias usinas hidrelétricas e, principalmente, eólicas tem iniciado sua operação, aumentando a capacidade de geração.

E quanto às implicações na saúde das pessoas? É ponto pacífico que o chamado relógio biológico das pessoas demora algum tempo para se acostumar com a mudança. A maioria das pessoas leva aproximadamente uma semana para se adaptar, mas uma parcela não desprezível demora muito mais tempo, com prejuízos à saúde em seus diversos aspectos.

Esse tipo de alteração encontra paralelo em um fato bem conhecido. Em 1992, após ingressar na União Européia, Portugal foi obrigado a alterar seu fuso horário, em 1 hora para igualar-se à maioria da Europa Ocidental. Entretanto, o prejuízo logo se fez notar, com alterações no rendimento profissional e escolar e significativo aumento no consumo de estimulantes, legais ou não. O fato foi de tal monta que o governo português foi obrigado a voltar atrás e restabelecer o fuso horário anterior.

(Parêntesis: Desde o ano passado uma lei alterou os fusos horários do Brasil. A metade oeste do Pará adotou o fuso de Brasília, e o Acre e os municípios do oeste do Amazonas avançaram para o fuso de Brasília menos 1 hora, que já valia para o restante do Amazonas, Rondônia, Roraima, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Grande parte dos acreanos ainda luta pela volta do fuso horário anterior.)

Outro problema é que a alteração de horários nos principais centros econômico-financeiros do País acaba refletindo nas regiões que não adotam a medida. Horários bancários, de partidas de viagens aéreas, de transmissões de TV e até de jogos de futebol tem que ser alterados, com os prejuízos inerentes.

A única questão dentre as que fiz acima e que não consigo uma resposta clara é: a quem beneficia? Ora, porque alguém deve estar lucrando com a medida. Se só houvessem perdedores, lógico que ela não seria implantada.

Mas, quem?


ATUALIZAÇÃO: Dialogando com um conhecido que trabalhou no setor elétrico, ele deixou transparecer que uma das razões da implantação do Horário de Verão seria descolar o pico do consumo doméstico dos pico do consumo de iluminação pública, o que reduziria a chance problemas, já que não existe (ou existia) orçamento para uma manutenção adequada da rede.

Faz sentido. Mas que coisa, não é? Falta dinhero (ou vontade) para fazer a coisa certa (manutenção preventiva e corretiva da rede) e apelamos para um artifício?

6 de outubro de 2009

Enfim, repouso para Bergson Gurjão Farias

Foram sepultados nesta terça-feira, em Fortaleza, os restos mortais de Bergson Gurjão Farias, militante do PC do B morto pelos militares em 1972, durante a Guerrilha do Araguaia .

Seus cadáver foi identificado em junho passado, após passar até 1996 enterrado como indigente no cemitério de Xambioá, no Pará. Bergson foi o único dentre os quatro cearenses militantes comunistas desaparecidos no Araguaia no início dos anos 70 que teve o paradeiro determinado. Os demais continuam desaparecidos.

A primeira vez que ouvi falar de Bergson foi em 1981.

Eu havia ingressado na UFC e procurava me familiarizar com o então recém-reorganizado movimento estudantil universitário. Meu curso era o de Engenharia Mecânica, e das engenharias o movimento mais estruturado era o da Engenharia Química, cujo CA levava (e ainda leva) o nome de Berg da Engenharia Química, cujo CA levava (e ainda leva) o nnome de Bergson Gurjão, ex-aluno do curso e que foi um dos principais líderes do movimento estudantil na UFC na segunda metade da década de 60.

Bergson foi homenageado hoje na Reitoria da UFC, onde um memorial foi inaugurado com a presença de sua mãe, D. Luiza Farias, de 94 anos.

Impossível tentar entender o que essa mulher passou nos últimos 37 anos, na busca por um filho que todos sabiam estar morto, mas cujo direito a um túmulo digno foi sistematicamente negado. A esperança de encontrar os restos do filho parecem ter dado força para que ela se mantivesse viva e lúcida o suficiente para deixar emocionados todos os que presenciaram a cerimônia.

Oxalá as demais mães, esposas, irmãos e filhos dos desaparecidos na ditadura ainda tenham a chance que D. Luiza teve, de poder prantear o corpo do filho e dar a ele um repouso adequado.

2 de outubro de 2009

É o Rio

Pois é, o Rio de Janeiro foi a cidade escolhida.

A razão me levou a preferir outro resultado qualquer (quase que meu desejo se concretiza, vide post abaixo).

Em tempo: não retiro nada do que falei antes...

Mas não dá para esconder que, quando do anúncio, bateu um certo orgulho.

Como disse antes da decisão:

Agora, é esperar a decisão e torcer para que, em caso de escolha do Rio, a sociedade civil se organize realmente para fiscalizar os gastos e, dessa forma, reduzir a roubalheira.
Porque problemas desta ordem com certeza acontecerão. Ninguém é ingênuo em acreditar que não.


Só mais uma coisa: O Lula é muito, muito sortudo...