20 de abril de 2010

A velha Albion em polvorosa

Da esq. para a direita: Nick Clegg, David Cameron e Gordon Brown.


No próximo dia 06 de maio os britânicos irão às urnas para renovar seu parlamento. Pelas regras atuais, são 650 vagas na Câmara dos Comuns distribuídas por igual número de "constituency" (algo como distrito eleitoral) espalhados por toda a Grã-Bretanha. Atualmente 10 partidos tem representação no parlamento britânico, porém mais de 95% das cadeiras estão na mão de apenas três: o Trabalhista, de esquerda muito moderada, atualmente com 346 cadeiras, o Conservador, que navega entre a direita e a centro-direita, com 208 cadeiras, e o Liberal-Democrata, que se situa entre o centro e a centro-esquerda, com 67 cadeiras (aviso: as definiçoes ideológicas acimas são minhas, e levam um pouco do referencial brasieliro). A quase totalidade das demais cadeiras estão com partidos que representam regiões específicas, como Escócia, Gales e Irlanda do Norte.

Vendo a situação alguns meses atrás, tudo parecia se encaminhar para uma vitória acachapante dos conservadores, liderados por David Cameron, destroçando os trabalhistas, do atual primeiro-ministro Gordon Brown. Os liberais-democratas, liderados por Nick Clegg, manteriam aproximadamente sua força no atual parlamento. Para se ter uma ideia, os conservadores passaram vários meses, até a metade de Janeiro, mantendo pelo menos 10 pontos percentuais de vantagem sobre os trabalhistas. Apesar de a eleição ser distrital pura, e consequentemente os níveis de votação nacional não se reproduzirem exatamente em quantidade de cadeiras, os conservadores tinham a certeza de poder retomar a maioria, usando como bandeira o impacto da crise econômica mundial no Reino Unido e a incapacidade de Gordon Brown em minimizar e reverter esse impacto (e sem contar a absoluta falta de carisma de Brown).

Entretanto, desde Janeiro as pesquisas mostraram um encurtamento da vantagem dos conservadores, com ela variando entre três e sete pontos, dependendo do instituto de pesquisa, números esses que davam esperanças aos trabalhistas de manter a maioria. Tudo isso resultante de vacilações e incertezas do lado dos conservadores que, em vez de solidificar sua base mais ideológica e partir daí para conquistar outros segmentos, preferiram mostrar uma face de centro-direita, o que não empolgou o eleitorado.

No início de Abril, conforme a tradição, Brown foi até a Rainha pedir a dissolução do Parlamento e a marcação das eleições para 06 de maio. Só a partir daí a campanha realmente pegou fogo.

Minto. O evento que realmente fez as coisas acontecerem foi o debate televisivo (novidade na Grã-Bretanha) do dia 15 de Abril. Seus noventa minutos tiveram o condão de colocar toda a política britânica de pernas para o ar.

Apesar da maioria dos eleitores esperar que Cameron e Brown partissem para a ofensiva de forma decisiva, o que se viu foi um desempenho magistral de Nick Clegg. O líder dos liberal-democratas demonstrou que podia enfrentar os outros dois candidatos de igual para igual, e até com alguma vantagem. As pesquisas deram, sem contestação, a vitória no debate à Clegg, e desde então tem mostrado o avanço dos liberal-democratas. Os últimos dados colocam o partido em segundo lugar, quase empatados com os conservadores e um pouco à frente dos trabalhistas.

Faltando 16 dias para a votação, e com mais dois debates na TV programados, qualquer coisa pode acontecer. O mais provável é que nenhum partido alcance a maioria absoluta. Dependendo do desempenho dos liberal-democratas, a vantagem pode ser dos trabalhistas (em decorrência de sua forte base na Escócia e Norte da Inglaterra) ou dos conservadores (que tem o centro e sul/sudeste da Inglaterra como seu reduto mais fiel). Os liberal-democratas com certeza aumentarão seu número de cadeiras, mas seu maior impacto será nos distritos em que, mesmo sem vencer, conseguirão votos suficientes para definir o eleito.

A preço de hoje, os números aproximados seriam estes: Conservadores com 240 cadeiras, Trabalhistas com 260 cadeiras e Liberal-democratas com 115 cadeiras. O restante iria para os partidos com base regional (o mais forte é o SNP, partido nacional escocês) e para os independentes.

A briga vai ser boa, e estaremos acompanhando de perto.


17 de abril de 2010

Eleições no horizonte, para tudo que é lado

Democracia e eleições não tem necessariamente uma relação de causa-efeito. Muitas ditaduras e governos cerceadores da liberdade mantém algum tipo de processo eleitoral apenas para "limpar a imagem" ou para atender necessidades de acomodação de forças internas.

Mas o processo eleitoral sempre atrai atenções. Quando nada, de malucos (eu, eu...) que adoram analisar pesquisas e resultados de eleições. Tanto faz se é uma eleição para prefeito em Quixeramobim ou a eleição presidencial americana: todas tem seu charme.

Evidente que algumas (especialmente nas democracias ocidentais) são mais fáceis de acompanhar, pela exuberância de dados disponíveis. Outras são bem complicadas por uma série de razões. Entender o mecanismo eleitoral no Japão ou na Índia é bem difícil, mas não tanto quanto conseguir dados das eleições parlamentares do Tadjiquistão ou de São Tomé e Príncipe... (OK. É coisa de maluco mesmo...).

Neste 2010, a previsão é de o mundo acompanhar um total de 12 eleições presidenciais e 15 eleições legislativas, além diversas outras a nível regional e local ( a francesa em março passado foi um bom exemplo).

Reparem que eu falei "previsão", por que tanto o cancelamento de eleições previstas (Ex. Haiti) quanto a realização de pleitos não programados (ex. Polônia) é bem comum.

Fazendo jus ao seu nome e a mania de seu redator acima relatada, este espaço pretende ficar De Olho em alguns dos pleitos deste ano. Óbvio que a eleição presidencial e legislativa aqui no Brasil será a mais mencionada, seguida da eleição para o Congresso americano (por todas as implicações dela decorrentes).

Para começar, faremos durante as próximas semanas um acompanhamento das eleições parlamentares na Grã-Bretanha, que se prenunciam as mais acirradas em várias décadas, com 3 partidos com chances reais.

Conto com a ajuda e a participação de todos os 1,9 fiéis leitores deste barraco.

14 de abril de 2010

Além da pura matemática



Hebron, Cisjordânia, março de 2010.

150 colonos judeus entrincheirados em um quarteirão...

...protegidos por 1.500 soldados israelenses...

...e cercados pelos 150.000 palestinos habitantes da cidade.


Essa conta não vai fechar nunca.

8 de abril de 2010

Carta aberta ao Dep. José Genoíno

Caro Deputado José Genoíno,

De cara, me perdoe pela absoluta falta de respeito às formalidades durante este texto. Faço isso por duas razões.

Primeiro: você é um parlamentar, pago (e muito bem) com o meu, o nosso suado dinheirinho. Logo, "nós, o povo" somos o patrão, e vocês estão aí para, em último caso, atender as nossas vontades. Por isso mesmo, dispensam-se as mesuras exageradas.

Além disso, e apesar de ter um mandato pelo Estado de São Paulo, você é cearense, meu conterrâneo. Conhecemos bem de onde você e sua família vem, o que fizeram e o que fazem. Conhecemos MESMO... Logo, deixemos as frescuras de lado.

Direto ao assunto: você perdeu uma ótima, diria até excelente, chance de ficar caladinho da silva nesse debate sobre o Projeto Ficha Limpa. De todos os membros de sua bancada (e talvez de toda Câmara), você deveria ser dos últimos a se intrometer na discussão. E não me venha com essa conversa fiada de "exercer o mandato popular"... Alguém que está sendo alvo de um processo no STF não deveria nem comparecer ao plenário durante as discussões do projeto. Qualquer coisa que você fizer e/ou disser vai ficar claramente marcado como "legislar em causa própria".

Como se não bastasse, não venha se meter a "botar boneco" com o projeto alegando que ele fere a Constituição, que tolhe direitos, etc. Direito quem tem é o povo de não permitir que um bando de pessoas já condenadas por todo tipo de crime tente conseguir a proteção das imunidades parlamentares e dos privilégios que um mandato proporciona.

Veja bem essa sua declaração: "Essa é uma lei casuística, fere o devido processo legal. É o Judiciário quem vai escolher quem será candidato, que vai tutelar o processo político. Quem tem que tutelar é o povo, é o cidadão, na urna secreta." Deputado, isso é um sofisma sem tamanho. Afinal de contas, o Judiciário é um poder que também representa a vontade do povo. Juízes existem para defender o correto cumprimento da lei e de seu espírito, e com isso proteger a sociedade contra aqueles que não se portam corretamente.

Sinceramente, estou com o saco cheio das hipocrisias de supostos "defensores da democracia". Deputado, a democracia verdadeira abomina a corrupção. Dizer que os fins justificam os meios é algo medieval. E o Brasil merece mais do que isso.

E pra terminar, um conselho: como diria alguém acolá, quando a esperteza é grande demais, ela engole o esperto.

Saudações cearenses.

3 de abril de 2010

Futebol e Religião: favor não misturar...

... pois a chance de idiotices colossais é enorme.

Aqui quem vos fala é um fã inveterado de futebol, e que tem uma fé (alguns leitores sabem qual é, mas nesse momento não faz a menor diferença...), e que acredita piamente na liberdade religiosa plena, mas também no Estado radicalmente laico (já falei disso anteriormente).

Tempos atrás, a FIFA expressou a intenção de restringir demonstrações religiosas exageradas dentro dos campos de futebol. Alegou a necessidade de respeito aos diferentes credos (até podemos duvidar da explicação, que provavelmente esconde outro tipo de motivação, mas vá lá que seja...) .

Concordo totalmente. O fato de que todo atleta (aliás, todo ser humano...) tem o direito de professar ou não qualquer tipo de crença religiosa não dá a eles o direito de usar os eventos esportivos como palco de manifestações religiosas, muitas vezes com o mal disfarçado intuito de proselitismo.

A seleção brasileira, já de muito tempo, tornou-se reincidente específica e genérica nesse tipo de atitude. Quantas vezes não vimos os jogadores se reunirem no centro do gramado, após alguma conquista, e se ajoelharem para rezar, em um espetáculo totalmente destoante com a ocasião. À boca miúda, se fala de uma verdadeira patrulha ideológica dentro do elenco (exercida por alguns praticantes de vertentes mais sectárias), com alguns jogadores sendo "isolados" em função de sua fé ou da falta dela.

Na tarde da última quinta-feira, ocorreu um episódio que, apesar de não ter ocorrido dentro de campo, é reflexo de tudo o que expus acima.

O elenco do Santos Futebol Clube (time pelo qual torço em escala nacional) foi informado pela diretoria do clube que compareceriam ao Lar Espírita Mensageiros da Luz, instituição que cuida de portadores de Paralisia Cerebral, crianças e jovens. Quando o ônibus do clube chegou à porta da instituição, alguns jogadores se recusaram a descer, alegando incompatibilidade religiosa.

Não é de hoje que o Santos tem problemas internos causados (ou ampliados) por grupos de jogadores pertencentes à certos grupos religiosos mais intransigentes (preciso explicar?). Tanto que a atual diretoria, quando assumiu, baixou uma norma de conduta de conduta para os jogadores visando evitar (ou pelo menos reduzir) problemas. Parece que não funcionou. Tanto que aconteceu o que acima descrevi. A repercussão vem sendo enorme na mídia esportiva (se bem que parte dela se aproveitou do fato e tentou manchar a história do clube) e na torcida, que espera uma atitude firme da diretoria.

O fato de ser uma instituição com administração religiosa (independente do credo, ou da ostensiva ausência de um) não significa rigorosamente NADA. O que conta é que ela cuida de seres humanos que enfrentam uma cruel e incapacitante situação, e que precisam e merecem todo o tipo de ajuda e atenção. Deixar que qualquer tipo de posicionamento religioso se coloque como obstáculo é mostra de falta de humanidade, para dizer pouco.

Felizmente alguns jogadores já reconheceram o erro, pediram desculpas publicamente e se prontificaram a visitar a instituição. Menos mal. Agora é achar o cérebro dessa idiotice sem tamanho que envergonhou profundamente todos os santistas minimamente esclarecidos, e cuidar para que esse tipo de fato não se repita.

Voltando ao que tratamos no início: liberdade religiosa, sim; aproveitar-se de eventos públicos, não; deixar a religião tolher o humanismo, jamais.