26 de fevereiro de 2010

Você conhece o Marechal Montenegro?

Dias atrás presenciamos o episódio em que um general quatro-estrelas que perdeu a função que exercia em virtude de ter emitido opiniões nada lisonjeiras sobre o Plano de Direitos Humanos que o governo lançou, numa clara quebra de hierarquia

Perfeita a decisão. Hierarquia é fundamento básico de qualquer força militar, e nenhum militar na ativa pode questionar o poder civil. Sem exceções. Quanto ao conteúdo das críticas, foi um amontoado de bobagens que ninguém leva a sério, exceto os saudosistas da Redentora e os inimigos transloucados do atual governo. Governo que tem seus erros (muitos) e acertos (outro tanto), mas que não pode ser acusado de revanchista e inimigo da democracia.

Por um acaso, logo depois do episódio entrei em contato mais próximo com a história de vida de um militar que, por não ter as melhores relações com alguns dos cabeças do Golpe de 64 e com alguns dos expoentes da linha-dura do regime militar que se seguiu, teve seu nome colocado em uma "lista negra" daqueles de quem não se devia falar (pelo menos não aberta e elogiosamente) dentro dos quarteis e instituições militares.

Falo do Marechal-do Ar Casimiro Montenegro Filho. Para aqueles não estão ligando o nome às realizações, basta lembrar que esse meu conterrâneo foi o criador do ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica) e do CTA (Centro Técnico Aeroespacial, hoje Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial). E que consegui esses intentos tendo que vencer a resistência do governo de então e de parte de seus companheiros de farda.

Ele foi objeto de várias biografias, sendo a mais conhecida a escrita por Fernando Morais com o título "Montenegro - As aventuras de um Marechal que fez uma revolução nos céus do Brasil ". Leitura agradável e muito esclarecedora sobre um pedaço da história de nosso país, mais especificamente a que vai do fim da 2ª Guerra até meados dos anos 60.

Nela fica claro o caráter obscurantista de diversos personagens que povoaram os quartéis e a política brasileira naquele período e um pouco além.

O patrono da Força Aérea Brasileira, brigadeiro Eduardo Gomes, é um que sai com a biografia bem chamuscada. Além de ter ideias políticas marcadas por um anti-comunismo exacerbado, que conseguia ver maquinações esquerdistas em pessoas e/ou movimentos apenas nacionalistas (ou nem isso), fica a imagem de alguém chegado a mesquinharias e que não conseguia enxergar o futuro nem mesmo em sua própria área de atuação. Por exemplo, se opunha firmemente ao trabalho que Montenegro realizava visando parcerias com industrias avançadas para desenvolver a fabricação de aviões a jato no Brasil, coisa que para Gomes não tinha futuro.

Se para medir a grandeza de um homem uma das formas é saber quem são seus inimigos, Montenegro está bem na foto. Além de Eduardo Gomes (que o perseguiu enquanto pode, até conseguir afastá-lo do ITA, no pós-Golpe), se alinhava entre seus adversários o famoso brigadeiro João Paulo Burnier, ultra-radical no espectro político responsável pelo planejamento do que ficou conhecido como Caso Para-SAR e, posteriormente, acusado de ser o responsável pela morte do militante Stuart Angel durante sessões de tortura.

É bem capaz que alguém aí venha dizer: "Mas o Fernando Morais é esquerdista, deve ter distorcido os fatos...".

Pois bem, também me deparei com esta resenha do livro feita pelo pesquisador Sued Castro Lima, que não por acaso é coronel-aviador da reserva, e na qual ele referenda a quase totalidade do conteúdo do livro.

Outro texto interessante sobre o mesmo tema é o escrito pelo engenheiro Armando Milioni, onde se lança alguma luz sobre as entranhas do ITA, especialmente durante a ditadura, mas também em dias mais próximos.

Neste dia 26 de fevereiro completam-se 10 anos da morte do Marechal Montenegro.

Ele permanece um ilustre desconhecido para a esmagadora maioria do nosso povo. Mesmo entre aqueles com um grau de instrução/informação acima da média dos brasileiros esse desconhecimento é marcante.

Por que será?

Talvez por ele ter apresentado uma visão de Brasil diferente da defendida por grande parte das nossas elites, que enxergavam quase nada além dos próprios interesses (frequentemente entreguistas). Ou talvez também porque, apesar de passar longe de ser um progressista na política (na verdade ele era bem conservador, apoiou os movimentos contra Getúlio, Juscelino e Jango), nunca participou ou concordou com perseguições tipo caça às bruxas, como as ocorridas no pós-64.



23 de fevereiro de 2010

Eles não tomam jeito (3)

Um dos países que mais constantemente desperta meu interesse é a Turquia. Nem sei exatamente por que. Não tenho laços de nenhum tipo com o país (pelo menos que eu saiba...), e a única razão que me passa pela cabeça é a História, uma das minhas paixões. A quantidade de eventos marcantes para a Humanidade que ocorreram naquela área é impressionante...

Dentro desse meu interesse uma coisa ressalta: muito frequentemente tenho posições nada lisonjeiras para com os governantes turcos, especialmente os dos últimos 300 anos. O tratamento dispensados às minorias e povos conquistados é, independente do tipo de governo e de sua posição política, deplorável. Armênios, curdos, gregos e árabes que o digam...

Todo esse tipo de problema se agravou incrivelmente a partir da chamada Revolução dos Jovens Turcos, em 1908, e que apesar de ter sido feita com supostos ideais liberais e democráticos (o mote era reinstalar a constituição que o sultão havia suspenso anos antes), na realidade descambou para um governo autoritário, centralizador e ultranacionalista. E teve o subproduto de trazer o Exército para dentro da política, de onde nunca mais saiu inteiramente.

Resultado? Com relação aos grupos étnicos, além do conhecido Genocídio dos Armênios (1915-1918), foram massacrados gregos, cristãos ciríacos e nestorianos e curdos. Talvez nunca saibamos o total de vítimas, mas as estimativas variam de 2 milhões até 4,3 milhões de mortos.

Com relação a política interna, após o longo governo de Kemal Ataturk (1923-1938), que estabilizou e modernizou o país, voltaram a ocorrer instabilidades. De lá para cá foram 4 golpes militares bem sucedidos e diversos outros que não tiveram êxito. Regra geral, as ações dos militares tem como desculpa a luta contra a corrupção e o combate a medidas mais liberais ou anti-seculares. Ou seja, mal escondem sua ideologia de direita e ultranacionalista.

Desde a posse em 2003 do atual primeiro-ministro Recep Tayyip Erdoğan, do Partido da Justiça e Desenvolvimento, de linha islâmica moderada, várias conspirações militares foram descobertas e debeladas. A última foi esta destroçada esta semana.

Um grupo de 49 militares da ativa e da reserva, incluindo 17 generais e 4 almirantes, foi preso após longa investigação. Ligados a uma organização chamada Ergenekon, pretendiam desencadear ações terroristas para desestabilizar o governo e justificar uma intervenção das Forças Armadas .

Engraçado como o enredo quase nunca muda, qualquer que seja o país.

Esses caras realmente não tomam jeito...

15 de fevereiro de 2010

O que é ruim sempre pode piorar

Quase exatamente um ano atrás, falei aqui sobre a alta taxa de suicídios entre os membros das forças armadas americanas, que tinham atingido números recordes em 2008.

Pois bem, acabaram de sair os números preliminares de 2009. E a coisa piorou, e muito.

No total, o número passou 235 para 301 casos. E ainda existem outros episódios sendo investigados...

E se forem observados os números dos veteranos (soldados já fora do serviço ativo) a situação fica ainda mais estarrecedora: 20% do total de aproximadamente 30.000 suicídios que ocorrem a cada ano nos EUA são entre os veteranos.

Pra encerrar, sem delongas:

(Autor: Joel Pett, no Lexington Herald-Leader, via McClatchy)

11 de fevereiro de 2010

Ponto de inflexão na vida de dois homens

Nos últimos dias, algumas notícias me lembraram que certo episódio, envolvendo um negro pra lá de famoso, está completando hoje 20 anos.

O interessante é que, na minha cabeça, a data está entrelaçada também a outro acontecimento, também envolvendo outro negro bastante conhecido. Essa ligação entre os fatos solidificou-se na minha cabeça desde a época, tanto que toda vez que falava de um deles acabava citando, mesmo de passagem, o outro.

No final da madrugada e começo da manhã do dia 11 de fevereiro de 1990, eu e milhares de fanáticos por esporte estávamos de olho na telinha assistindo aquela que prometia ser outra fantástica (apesar de rapidíssíma) atuação de Mike Tyson nos ringues. Ele estava no Japão lutando contra o desconhecido James "Buster" Douglas, era favorito destacado, e quase todos acreditavam que ele venceria por nocaute ainda nos primeiros rounds. Douglas parecia o adversário perfeito para ser massacrado, e com isso ajudar a extender o domínio de Tyson na categoria dos pesos-pesados.

Mas aquele dia levava jeito de ter sido formatado pelo destino para desencadear mudanças em todos os níveis.

Desde antes do início da luta, os locutores vinham interrompendo a transmissão para falar do outro evento que marcaria aquele dia. Uma multidão de sul-africanos, a qual se juntava a imprensa mundial em peso, aguardava no lado de fora da Prisão Victor Verster, na Cidade do Cabo, pela provável (mas ainda incerta) libertação do líder negro Nelson Mandela.

A luta transcorreu de forma totalmente atípica (pelo menos para os padrões Mike Tyson até aquele momento). No começo, o campeão atacou naquele seu estilo rolo compressor, que costumava acabar a maioria das lutas em até 3 assaltos. Só que Douglas estava mais preparado do que aparentava, e Tyson, pelo contrário, estava mais disperso e vacilante que o normal. Não conseguia entrar na guarda do desafiante, que usava a maior altura para manter Tyson à distância, e castigá-lo como nunca anteriormente um adversário havia feito.

Enquanto isso a expectativa na Cidade do Cabo aumentava. Uma das coisas mais interessantes é que ninguém fazia ideia da aparência de Mandela, já que a última foto disponível dele era de mais de 25 anos antes. E a espera continuava...

A luta em Tóquio chegou ao 8º assalto, e pareceu que Tyson havia acordado. Desferiu uma ótima sequencia de golpes, encerrada por um potente cruzado de direita que derrubou Douglas, que só conseguiu se levantar quase no final da contagem do juiz. Tyson continuou a tentar encerrar a luta via nocaute durante o 9º assalto, mas sem sucesso.

Chegou o 10º assalto, e Douglas, refeito do castigo, partiu para cima do cansado Tyson, e com um cruzado seguido de uma sequencia rápida de golpes mandou o campeão para a lona.

Neste ponto, fico pensando qual a imagem mais marcante daquele dia. As duas ocorreram com poucos minutos de diferença e, cada uma a seu modo, retrataram instantes de mudança.

Primeiro foi a visão de Tyson tentando se levantar, mas com as pernas se recusando a obedecer, e com o protetor bucal escapulindo por entre seus lábios.

Depois, a imagem de Mandela saindo pelo portão principal da prisão, de mãos dadas com sua então esposa Winnie, e aclamado por uma multidão que explodia em gritos e lágrimas.

Daquele instante em diante, a carreira e a vida de Mike Tyson nunca mais foram as mesmas, até chegar ao que ele é atualmente: apenas uma nota de rodapé das colunas fofocas e das páginas policiais.

Já Mandela precisou de pouco mais de 4 anos para ser eleito Presidente de uma África do Sul livre das leis do apartheid, e continua até hoje a ser um símbolo da luta pela liberdade e um exemplo de político negociador.


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Antes que eu esqueça: assistam "Invictus", de Clint Eastwood.

Morgan Freeman É Mandela.

Impressionante.


3 de fevereiro de 2010

Chavez falou besteira. De novo...

Um bom amigo vem insistindo desde a semana passada que eu escreva algo sobre a crise na Venezuela.

A falta de tempo para uma pesquisa mais adequada, e a constatação de que pessoas mais preparadas já disseram mais ou menos o que eu penso acabaram adiando o post.

Porém, existem fatos que praticamente obrigam você a escrever. Ou porque exigem um posicionamento rápido e firme, ou porque a piada pronta é inescapável...

Ainda estou em dúvida sobre qual das categorias acima melhor reflete isto aqui:

Chavez quer governar mais 11 anos e prevê 1800 anos de governo revolucionário

Sempre considerei que a Venezuela não está sob uma ditadura. Pelo menos ainda... Faltam alguns dos atributos da nossa velha conhecida de tantos séculos.

Entretanto, e apesar de não considerar Hugo Chavez a encarnação do mal absoluto, sempre pensei nele como um anteprojeto de ditador. Não faltaria vontade, apenas as condições, e talvez essas nunca venham a existir...

Claro, além de ele ser um bufão incorrigível e de uma incompetência basilar enquanto administrador.

Ponto. Parei.

Mas diante da notíca acima, e sem querer comparar os personagens, o primeiro pensamento que me veio foi:

Caramba, o último infeliz (imbecil, louco, pode escolher o adjetivo...) que falou em um governo de 1000 anos, deu no que deu...



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Só agora me toquei que este é o post de número 250 do De Olho no Fato.
Não é nada, não é nada, já é uma vereda, com sonhos de virar estrada...