30 de março de 2009

Liberada a consulta às Atas do Conselho de Segurança Nacional

A notícia com certeza já saiu vários locais, mas vale repetir.

Está liberada a consulta on-line às Atas do Conselho de Segurança Nacional, desde sua criação, em 1931, até o final de 1988.

Os períodos mais recentes ainda estão cobertos pela legislação que trata do sigilo dos documentos oficiais. Da mesma forma, alguns trechos de documentos estão cobertos por tarjas pretas, por permanecerem secretos.

De qualquer modo, é um material inestimável para os interessados em conhecer parte dos meandros do poder durante mais de 50 anos, e especialmente para saber quais tipos de assuntos eram (e são) tratados nesse orgão superior de assessoria da Presidência da República.

Por exemplo, esta é a Ata da 54ª Reunião do Conselho, realizada em 27/06/1979, em que o então Presidente João Figueiredo apresenta aos membros do colegiado o Projeto de Lei de Anistia.

26 de março de 2009

Imagem emblemática


Olhem bem os rostos das duas figuras na imagem acima.

E agora me digam: algum dos dois passa um pingo de sinceridade?

Ou refazendo a pergunta: algum dos dois parece ao menos suportar a presença do outro?


Ehud Barak e Binyamin Netanyahu.

O que o apego ao poder não faz...

24 de março de 2009

A aposta arriscada de Ehud Barak

Nas eleições parlamentares em Israel realizadas em 10 de fevereiro, o eleitorado resolveu dividir as cadeiras do Knesset entre 12 partidos, mas deu vantagem aos partidos de direita e religiosos, que ganharam 65 cadeiras.

O líder do Likud, Binyamin Netanyahu, foi encarregado de formar o novo governo, mas desde então vinha tentando fugir da tentação de montar a coalizão apenas com direitistas, religiosos ou não. Sabia ele que um governo marcadamente direitista traria enormes dificuldades para Israel, especialmente perante o governo de Barack Obama. Durante algum tempo, ele tentou seduzir o Kadima, de centro, mas a atual chanceler Tzipi Livni deu-lhe um enfático “não“.

Com o tempo passando e a indefinição continuando, Netanyahu tentou uma nova cartada. Propôs um acordo ao Partido Trabalhista, de esquerda moderada, liderado pelo ex-premiêr e atual ministro da Defesa Ehud Barak.

Segundo os termos do acordo, a coalizão seria formada pelo Likud, pelos Trabalhistas, pelo Israel Beitenu (de extrema-direita) e pelo Shas (religioso). Os trabalhistas teriam direito a 5 ministérios, incluindo dois importantes, o da Defesa e o de Indústria e Comércio, além de vários cargos de 2º escalão. Acordo pra lá de generoso para os escassos 13 votos dos trabalhistas no parlamento de 120 cadeiras.

Ontem, segunda-feira, Barak aceitou o acordo, mas trouxe a palavra final para o Comitê Central do partido. Hoje, esse órgão se reuniu e mostrou o tamanho do racha do partido. Os opositores do acordo acusaram Barak de jogar a história do partido na lama, e de se tornar um capacho da direita. Um dos delegados chegou a falar que Ytzhak Rabin e Golda Meir deviam estar se contorcendo em seus túmulos. Já os defensores afirmavam que o papel do partido na coalizão seria de um freio contra atitudes mais radicais dos direitistas. E permitiria a não-inclusão no governo dos pequenos partidos religiosos de extrema-direita.

No fim, o acordo foi aprovado, mas a vantagem foi escassa e controversa. Segundo o Jerusalem Post, foi uma vantagem de 165 votos em 1071 votantes. Já o Haaretz fala numa vantagem menor, de 110 votos dentre 1250 votantes. Dá pra notar como tudo na política israelense é complicado, até os números.

Agora, com o acordo aprovado, fica clara a arriscadíssima aposta de Ehud Barak. Se a coalizão funcionar, e Israel não ficar em posição insustentável nas negociações de paz que o governo Obama deseja patrocinar, os trabalhistas e seu líder garantirão cacife para a luta política dos próximos anos e, talvez, décadas. Porém, se a maioria direitista impor seus pontos de vista, Barak pode estar levando seu partido para um beco sem saída,e talvez para um lugar de irrelevância no espectro político israelense.

23 de março de 2009

Eu avisei...

Tempos atrás eu falei nesse assunto, mas parece que muita gente duvidou...

Pois bem, através de uma dica do Sergio Leo (ele mesmo um membro da rede secreta...) cheguei a um site que é a prova provada do poder nas sombras que são os cearenses.

Com vocês, o Cearenses Internacionais.


De novo, abram o olho...

20 de março de 2009

Estado laico (pero no mucho...)

Nesta semana, por obrigação profissional, assisti a uma sessão da Câmara de Vereadores de uma certa cidade do interior. Não era uma sessão comum, mas uma sessão solene em homenagem a determinada efeméride. Entretanto, guardou o rito de uma sessão comum, com chamada dos vereadores, leitura da ordem do dia, etc.

Tudo muito bom, tudo muito bem, mas... Sempre tem um "mas".

Ainda no início da sessão (acho que logo após a declaração de abertura pela presidente da Câmara), fui surpreendido com o chamado para que todos se pusessem de pé enquanto uma das vereadoras ocupava a tribuna para "a leitura do texto bíblico". No caso, um trecho do Antigo Testamento que tratava de como o povo devia seguir as leis.

Quem me conhece, tanto pessoalmente como pelo mundo virtual, sabe que não sou, de forma alguma, anti-religioso. Tenho minha fé, e se não participo dos rituais de minha religião de maneira exemplar, tampouco sou totalmente avesso a eles.

Tenho, isso sim, divergências marcantes com a hierarquia da minha religião quanto a assuntos do dia-a-dia das pessoas. Considero que muitas posições dessa hierarquia não entraram nem mesmo no século XX, que dirá do século XXI. E uma das principais divergências é exatamente quanto a separação entre Estado e Religião. Tenho total crença na norma constitucional que decreta que o estado brasileiro é laico, sem exceções. E que nenhuma religião deve tentar impor suas visões de mundo sobre o arcabouço legal.

Claro que já tomei conhecimento de dezenas de episódios que infringem a norma constitucional. Especialmente a colocação de símbolos religiosos em ambiente públicos, como parlamentos, tribunais, etc. Até a invocação de Deus (mesmo de forma genérica, sem identificar a crença) para proteger a Constituição ou eventos públicos não me é desconhecida.

Entretanto, foi a primeira vez que um fato desses me chocou diretamente. Posso até ter presenciado algo similar anteriormente, mas deve ter sido um ato muito menos ostensivo, de tal forma a não chamar minha atenção.

Tenho algumas divergências com o atual governo, mas sempre admirei a forma como o Presidente Lula, assumidamente um católico, não perde a chance de, quando necessário, reafirmar a laicidade do Estado brasileiro.

É uma pena que os diferentes gestores públicos brasileiros, nas diversas esferas e nos diversos poderes, façam vista grossa para uma das mais duramente conquistadas formas de liberdade, a de ter ou não uma religião, e da não-interferência das religiões nos negócios de estado.

Aquele momento, quando a parlamentar subiu à tribuna e fez a leitura, cutucou profundamente aquele defensor das liberdades que vive adormecido dentro de mim. Após a solenidade, comentei o fato com dois colegas, e eles não haviam atentado para o significado do ato. Um deles, mais acostumado a comparecer a sessões de Câmaras de Vereadores, até disse que já tinha presenciado coisas similares em algumas outras cidades.

Afinal de contas, vivemos ou não sob a égide de um Estado realmente laico? Ou será que, como em muitas coisas neste país, a maioria silenciosa da população acaba tendo que conviver com pequenas, mas não desprovidas de importância, violações de suas liberdades fundamentais?

16 de março de 2009

Tocando à meia-boca

Ainda atravessando sérios problemas técnicos, os quais me mantém off-line a maior parte do tempo, vamos à nossa conversa de botequim:

- Nas eleições em El Salvador saiu-se vitorioso o candidato Maurício Funes, do partido FMLN, (Frente Farabundo Marti de Libertação) originado da antiga guerrilha de esquerda homônima. Isso quebra uma sequencia de vitória do partido conservador ARENA (Aliança Republicana Nacionalista), de claras ligações com grupos paramilitares de direita que combatiam as FMLN durante a guerra civil. Apesar de o candidato derrotado, Rodrigo Avila, haver reconhecido a derrota e prometido uma oposição construtiva, as palavras de ordem gritadas pelos militantes da ARENA (e que não se perca pelo nome...) não deixaram dúvidas dobre o clima de radicalização no país: "Pátria sim, comunismo não."

- Semanas atrás, o ex-presidente iraniano Mohammad Khatami anunciou sua candidatura às eleições presidenciais de junho próximo, tentando aglutinar as forças moderadas (ou reformistas) de oposição. Entretanto, dias atrás, Khatami perdeu o apoio de um importante líder reformista, o ex-prefeito de Teerã Gholamhossein Karbaschi. Karbaschi, que havia sido um dos pilares da eleição de Khatami em 1997, desiludiu-se com as políticas vacilantes do ex-presidente, e decidiu apoiar o ex-presidente do Parlamento Mehdi Karroubi. Ao mesmo tempo, anunciou-se a candidatura do ex-primeiro ministro Mir Hossein Moussavi. Ou seja, seriam pelo menos três candidatos dividindo os votos reformistas, o que poderia, em tese, facilitar as coisas para o atual presidente Mahmoud Ahmadinejad, apoiado pela linha-dura conservadora do regime.
Pois bem, segundo a agência de notícias oficial Fars, Khatami anunciou hoje que está saindo da disputa, e apoiará Moussavi. Os próximos dias deverão trazer mais luz ao que realmente ocorreu, e as consequencias nas próximas eleições. Porém, sem dúvida, é uma amostra da incapacidade das forças de oposição iranianas de se aglutinarem em torno de uma candidatura viável e com chances reais.

- No encontro de sábado com Lula, Barack Obama falou de seu desejo de, na futura visita ao Brasil, conhecer as praias do Rio e que adoraria conhecer a Amazônia, mas acrescentou: "...tenho impressão de que o Partido Republicano adoraria que eu fosse para a selva e talvez me perdesse por lá."
Lula deveria ter respondido que alguns dos líderes da oposição brasileira talvez gostassem que ele (Lula) visitasse o Alasca, preferencialmente durante o inverno...

- E um alerta pra concorrência: os novos Meninos da Vila estão chegando...

11 de março de 2009

Rostos à granel


Alguém aí se habilita a identificar as figuras retratadas acima? São todas personalidades conhecidas (ou algo assim...).

Para ver a figura ampliada, é só clicar nela ou então clicar aqui (a segunda opção é um pouco melhor).



(Fonte: Fábio Campana, via Fal)

10 de março de 2009

Velhos fantasmas que teimam em reaparecer

Tinha tudo para ser um momento de descontração antes da tempestade.

No sábado passado, e no que seria o último sábado antes de serem enviados para lutar no Afeganistão, um grupo de soldados britânicos aquartelados em uma base localizada em Massereene, na Irlanda do Norte resolveu que, mesmo sem poder sair da base, era hora de relaxar. Que tal pedir uma pizzas? A ideia era tão boa que alguns funcionários civis da base aderiram. Passaram a mão no telefone e ligaram para Domino's Pizza mais próxima.

Quando o carro da entrega chegou, um grupo de soldados e funcionários foi até o portão da base para pegar a encomenda. Nesse momento, um número não identificado de atiradores abriu fogo contra o grupo, usando armas automáticas.

Mais de 60 tiros depois, dois jovens soldados estavam mortos, e outras quatro pessoas feridas, incluindo dois empregados da rede de pizzarias. Foi o primeiro ataque mortal contra soldados britânicos na Irlanda do Norte em 12 anos.

De uma hora para a outra, os fantasmas que assombraram a província britânica durante décadas, e que estavam aos poucos sendo sepultados desde o o Acordo da Sexta-Feira Santa de 1998, e principalmente desde que os principais partidos protestantes e católicos formaram um governo de união em 2007, parecem tentar fazer o relógio andar para trás.

O atentado foi assumido por um grupo extremista republicano (e teoricamente católico) chamado Real IRA (RIRA). Ele se formou em 1997 ao redor de Michael McKevitt, que então era um dos líderes do Provisional IRA (PIRA), o principal grupo armado dos nacionalistas católicos (é o grupo que comumente conhecemos como IRA). Ele rompeu com a organização quando os principais líderes deram apoio para que ser braço político, o Sinn Fein, iniciasse as negociações de paz que, no ano seguinte, desaguariam no acordo que alterou as estruturas de governo e possibilitou o fim da luta e a deposição de armas pelos grupos militantes dos dois lados. Logo após sua criação, o RIRA tornou-se rapidamente o grupo dissidente mais importante, sobrepujando o Continuity IRA (CIRA), formado 10 anos antes. Seu ataque mais famoso (e sangrento) foi em agosto de 1998, na cidade de Omagh, deixando 29 mortos e mais de duzentos feridos.

Ontem, segunda-feira, um policial foi baleado na cidade de Craigavon, e veio a falecer. O ataque foi assumido pelo CIRA.

Este escriba foi um dos que cresceu ouvindo e lendo notícias sobre o conflito na Irlanda do Norte. Do final dos anos 60 até o acordo de 1998, muito sangue correu, e o povo da província, independente de credo religioso ou político, pagou um preço alto. No total, foram mais de 3500 mortos (mais de 1900 eram civis) e incontáveis feridos e mutilados.

Sempre simpatizei com os republicanos, e confesso que fiquei bastante satisfeito quando seus principais líderes resolveram negociar. Entre idas e vindas, os últimos 12 anos foram de avanços para a paz. Nem sempre na velocidade e na amplitude que muito desejariam, mas foram avanços. O atual estágio, onde temos um governo chefia por um unionista (protestante) moderado, que tem como seu segundo-em-comando um republicano (católico), ex-líder do IRA, é uma prova que a mesa de negociações é quase sempre mais efetiva do que o apelo às armas. Algo que, por exemplo, o grupo basco ETA e o governo espanhol ainda não conseguiram entender. Oriente Médio, bem, aí é que fica difícil de romper o ciclo de violência.

É hora de torcer para que os moderados não deixem o barco perder o rumo, e que medidas sejam tomadas para que os radicais armados sejam isolados e contidos. Firmar uma Irlanda do Norte totalmente sem violência talvez seja trabalho para mais de uma geração, quando todos os envolvidos e atingidos pelos anos negros tenham deixado de ter influência.


5 de março de 2009

Uma voz pelo Nordeste : 100 anos de Patativa do Assaré


Logo no primeiro post deste ano, lembrei que iríamos comemorar neste ano o centenário de nascimento do maior poeta popular do Brasil. Chegou a hora.

Antônio Gonçalves da Silva, mais conhecido como Patativa do Assaré, nasceu em 05 de Março de 1909 na Serra de Santana, no pequeno município de Assaré, na região Sul do Ceará. Desde cedo, em virtude da morte precoce de seu pai, teve que ajudar a mãe na roça, e isso apesar de ser cego de um olho desde os 4 anos em virtude de uma doença. Frequentou a escola por apenas alguns meses, apenas o suficiente para ser alfabetizado. Antes disso, porém, já compunha poemas, que guardava na extraordinária memória. Quando ganhou da mãe a primeira viola, adquirida em troca de uma ovelha, passou a fazer repentes e a se apresentar em festas. Daí em diante, sua longa vida foi de uma produção sem fim.

Para alguns de nós, talvez seja complicado entender o que realmente significa ser um poeta popular. Para ajudar a situar bem essa questão e onde Patativa do Assaré se insere, transcrevo um artigo do jornalista José Neumane Pinto, publicado no Estadão em 13 de Julho de 2002, cinco dias após a morte do poeta:

"A poesia sertaneja brota do chão - esturricado, quando submetido à inclemência dos longos períodos de estiagem, ou virado barro pegajoso depois de chuva. Feito milho, feijão e mandioca, da qual se extrai a farinha, que também nascem no solo do sertão, ela tem lá seus aspectos nutrientes: mata a fome de beleza no meio da paisagem cinzenta e esquálida. É épica, ao narrar proezas de valentes. Lírica, de um lirismo pungente, quando tece loas ao amor ou se debruça sobre a saga de uma raça que sobrevive heroicamente em sua luta contra as intempéries da natureza, luta que quase sempre termina em retirada, na repetição cíclica do êxodo bíblico. É feita para a dor do lamento e o gozo do riso. O poeta sertanejo é familiarizado com ritmos e cadências - há pouca diferença entre poesia e canto, embora seu cantar seja monocórdio, a palo seco, sem muita graça para ouvidos que a ele não estejam habituados. Que não se exija do poeta perícias de esgrimista da linguagem nem habilidades de pesquisador da semântica. Sua poesia serve a sua gente: descreve sua vida, ou seja seu convívio com a paisagem ou com outros viventes.
Só quem entender isso plenamente vai ser capaz de também compreender a importância de Patativa do Assaré na poesia brasileira contemporânea. O nome artístico adotado pelo cearense Antônio Gonçalves da Silva é o primeiro passo para tanto. Patativa é uma ave canora e Assaré, o lugar ermo onde nasceu, se criou e viveu a vida inteira. Cantos de Patativa, título de sua obra de estréia, da mesma forma, expressa com clareza o que pretende e a que se apresenta - trata-se de um manifesto curto, que não admite desvios nem tergiversações. O poeta, como o pássaro, canta e tem de cantar bonito, com ritmo e precisão, além de exibir ao ouvinte as ricas cores de sua plumagem.
Patativa de Assaré não pertenceu à estirpe dos repentistas, cantadores e violeiros que improvisam em diversos modos (gêneros poéticos) noites a fio para diversão de quem se reúna para ouvi-los. Mas, sim, a um tipo intermediário entre o improvisador de desafios e o poeta erudito, o tal poeta matuto: compõe seus versos escritos nos moldes dos poemas clássicos com padrões de rima e métrica bem definidos, mas usa uma linguagem simples, quase um dialeto, com o qual se comunica diretamente com o homem comum, o roceiro (que ou ficou no campo árido ou fugiu para a periferia dos centros urbanos próximos ou distantes de seu lugar de origem). Sua obra, a meio caminho entre o improviso e a elaboração erudita, é impressa, encadernada e costurada em livros, sendo o mais famoso deles o Cante lá Que Eu Canto cá, editado pela Vozes de Petrópolis em 1978 e já na 11.ª edição.
Ele também é um poeta de bancada, ou seja, escreveu folhetos de cordel, gênero ao mesmo tempo escrito e oral de poesia, contendo narrativas de grandes feitos, casos de amor ou simples palhaçadas em folhetos impressos pelos próprios autores que os narram eles mesmos, como muezins que cantam as orações nas mesquitas muçulmanas, em alto-falantes e megafones nas feiras livres do interior nordestino. É de sua autoria uma interessante adaptação do conto das Mil e Uma Noites História de Aladim e da Lâmpada Maravilhosa. E de sua lavra, a saga política do Padre Henrique e o Dragão da Maldade.

Poeta de livro e folheto, Patativa também se dedicou à composição, musicando poemas de sua própria lavra, alguns dos quais se tornaram grandes sucessos de público - como foi o caso de Triste Partida, na voz de Luiz Gonzaga, e Vaca Estrela e Boi Fubá, uma de suas toadas gravadas pelo amigo, conterrâneo e grande divulgador Raimundo Fagner. A composição musical, bem diferente do improviso poético dos violeiros, foi seu jeito de romper os limites do desprezo e do desconhecimento das grandes platéias urbanas em relação à incompreendida poesia matuta, gênero do qual foi tão príncipe (como se dizia antigamente dos melhores poetas) quanto Seu Lua foi Rei do Baião. "

E como homenagem final ao mestre, vale a pena também transcrever um dos poemas acima citados, e que toca especialmente fundo na alma nordestina:


Triste Partida

Meu Deus, meu Deus...

Setembro passou
Outubro e Novembro
Já tamo em Dezembro
Meu Deus, que é de nós,
Meu Deus, meu Deus
Assim fala o pobre
Do seco Nordeste
Com medo da peste
Da fome feroz
Ai, ai, ai, ai

A treze do mês
Ele fez experiência
Perdeu sua crença
Nas pedras de sal,
Meu Deus, meu Deus
Mas noutra esperança
Com gosto se agarra
Pensando na barra
Do alegre Natal
Ai, ai, ai, ai

Rompeu-se o Natal
Porém barra não veio
O sol bem vermeio
Nasceu muito além
Meu Deus, meu Deus
Na copa da mata
Buzina a cigarra
Ninguém vê a barra
Pois a barra não tem
Ai, ai, ai, ai

Sem chuva na terra
Descamba Janeiro,
Depois fevereiro
E o mesmo verão
Meu Deus, meu Deus
Entonce o nortista
Pensando consigo
Diz: "isso é castigo
não chove mais não"
Ai, ai, ai, ai

Apela pra Março
Que é o mês preferido
Do santo querido
Senhor São José
Meu Deus, meu Deus
Mas nada de chuva
Tá tudo sem jeito
Lhe foge do peito
O resto da fé
Ai, ai, ai, ai

Agora pensando
Ele segue outra tria
Chamando a famia
Começa a dizer
Meu Deus, meu Deus
Eu vendo meu burro
Meu jegue e o cavalo
Nós vamos a São Paulo
Viver ou morrer
Ai, ai, ai, ai

Nós vamos a São Paulo
Que a coisa tá feia
Por terras alheia
Nós vamos vagar
Meu Deus, meu Deus
Se o nosso destino
Não for tão mesquinho
Cá e pro mesmo cantinho
Nós torna a voltar
Ai, ai, ai, ai

E vende seu burro
Jumento e o cavalo
Inté mesmo o galo
Venderam também
Meu Deus, meu Deus
Pois logo aparece
Feliz fazendeiro
Por pouco dinheiro
Lhe compra o que tem
Ai, ai, ai, ai

Em um caminhão
Ele joga a famia
Chegou o triste dia
Já vai viajar
Meu Deus, meu Deus
A seca terrível
Que tudo devora
Lhe bota pra fora
Da terra natá
Ai, ai, ai, ai

O carro já corre
No topo da serra
Oiando pra terra
Seu berço, seu lar
Meu Deus, meu Deus
Aquele nortista
Partido de pena
De longe acena
Adeus meu lugar
Ai, ai, ai, ai

No dia seguinte
Já tudo enfadado
E o carro embalado
Veloz a correr
Meu Deus, meu Deus
Tão triste, coitado
Falando saudoso
Seu filho choroso
Exclama a dizer
Ai, ai, ai, ai

De pena e saudade
Papai sei que morro
Meu pobre cachorro
Quem dá de comer?
Meu Deus, meu Deus
Já outro pergunta
Mãezinha, e meu gato?
Com fome, sem trato
Mimi vai morrer
Ai, ai, ai, ai

E a linda pequena
Tremendo de medo
"Mamãe, meus brinquedo
Meu pé de fulô?"
Meu Deus, meu Deus
Meu pé de roseira
Coitado, ele seca
E minha boneca
Também lá ficou
Ai, ai, ai, ai

E assim vão deixando
Com choro e gemido
Do berço querido
Céu lindo azul
Meu Deus, meu Deus
O pai, pesaroso
Nos filho pensando
E o carro rodando
Na estrada do Sul
Ai, ai, ai, ai

Chegaram em São Paulo
Sem cobre quebrado
E o pobre acanhado
Procura um patrão
Meu Deus, meu Deus
Só vê cara estranha
De estranha gente
Tudo é diferente
Do caro torrão
Ai, ai, ai, ai

Trabaia dois ano,
Três ano e mais ano
E sempre nos prano
De um dia vortar
Meu Deus, meu Deus
Mas nunca ele pode
Só vive devendo
E assim vai sofrendo
É sofrer sem parar
Ai, ai, ai, ai

Se arguma notícia
Das banda do norte
Tem ele por sorte
O gosto de ouvir
Meu Deus, meu Deus
Lhe bate no peito
Saudade lhe molho
E as água nos óio
Começa a cair
Ai, ai, ai, ai

Do mundo afastado
Ali vive preso
Sofrendo desprezo
Devendo ao patrão
Meu Deus, meu Deus
O tempo rolando
Vai dia e vem dia
E aquela famia
Não vorta mais não
Ai, ai, ai, ai

Distante da terra
Tão seca mas boa
Exposto à garoa
À lama e o paú
Meu Deus, meu Deus
Faz pena o nortista
Tão forte, tão bravo
Viver como escravo
No Norte e no Sul
Ai, ai, ai, ai


3 de março de 2009

Colocando na geladeira os amigos do Comandante

Apesar de tocarmos no assunto só de vez em quando, continuamos de olho nas transformações que vem ocorrendo "naquela" ilha do Caribe.

A mais recente é a mexida que o presidente Raúl Castro fez em postos-chave do governo cubano. Diversos dirigentes intimamente identificados com El Comandante perderam espaço, e foram substituídos por figuras mais próximas ao atual presidente.

Esse foi o movimento mais significativo de uma tendência que já vinha se solidificando desde meados do ano passado, em que dirigentes com carreiras mais identificadas com Raúl, e com posições "reformistas", vinham ganhando espaço frente aos defensores das posturas mais "ortodoxas" e ligados à velha-guarda do regime.

Mudanças políticas ou econômicas no horizonte mais próximo? Difícil dizer, mas o terreno está sendo preparado para o congresso do PC Cubano, que ocorrerá no segundo semestre deste ano. Ali é onde podem (e devem) ser anunciadas medidas de maior impacto. Aliás, como já havíamos previsto aqui.

Bem que o governo Obama podia dar uma mãozinha, desanuviando um pouco as relações com a ilha...