20 de novembro de 2009

A Palestina busca o seu Mandela

O presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, está em viagem pela América do Sul, incluindo Brasil, Argentina e Chile. Aqui ele conversou com Lula na busca de apoio para a causa do povo palestino em sua busca por um estado independente.

Abbas recentemente concordou em adiar as eleições palestinas, que seriam em janeiro de 2010, pela impossibilidade de realizá-las em Gaza de uma forma livre, muito por culpa do Hamas, mas também de Israel. As mesmas eleições para as quais ele próprio demonstrou a intenção de não concorrer.

Conhecido como um dos mais moderados líderes palestinos, e dotado de um carisma quase nulo, Abbas meio que reconheceu sua impotência para fazer andar as negociações de paz na região. Visto por boa parte de seu próprio povo como o "homem de confiança" dos Estados Unidos, ele provavelmente procura com seu gesto provocar algum tipo de atitude do Ocidente, especialmente no que trata da expansão dos assentamentos judeus na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental.

Poucos meses atrás, li uma matéria que citava declarações do historiador israelense Tom Segev à revista alemã Der Spiegel, na quais ele demonstrava total desolação com o presente e o futuro das relações entre israelenses e palestinos. Adepto da convivência pacífica, Segev praticamente não vê como o atual impasse possa ser rompido.

A única saída que ele enxerga incluiria um passo absolutamente ousado por parte do governo israelense: libertar Marwan Barghouti e permitir que ele tome a frente das negociações pelo lado palestino. Sem exageros, seria algo similar a decisão tomada pelo governo sul-africano quando pôs Nelson Mandela em liberdade.

O maciçamente popular político, e que foi o lider militar do Fatah durante as duas Intifadas, está preso em Israel desde 2002 cumprindo 5 penas de prisão perpétua, acusado de ataques a civis e militares israelenses. Para se ter uma ideia da popularidade de Barghouti, cinco anos atrás, quando das últimas eleições presidenciais palestinas, mesmo de dentro da prisão ele liderava com folga todas as pesquisas de opinião, e teria sido eleito com uma maioria esmagadora sobre seus adversários. Porém, resolveu apoiar Abbas, que venceu. Recentemente, ele foi eleito para o comitê central do Fatah com votação consagradora, e é profundamente respeitado mesmo pelas facções rivais.

Dentro do movimento palestino, ele é a voz mais respeitada dentre aqueles que defendem a solução dos "dois estados", com respeito às fronteiras anteriores à 1967 (com uns poucos ajustes), e convivência pacífica daí em diante. Mas até esse dia chegar, ele insiste no direito dos palestinos resistirem à ocupação.

Esta semana foi publicada uma entrevista de Barghouti para a Reuters, feita por escrito e contrabandeada para fora da prisão por seus advogados.

Eis alguns dos principais pontos da entrevista:

- A divisão entre Fatah e Hamas é uma tragédia. Na atual situação política da região, as diferenças entre os dois grupos não são fundamentais, especialmente na ausência de um parceiro israelense para a paz.
- O Hamas precisa aderir de fato a iniciativa egípcia de reconciliação, o que garantiria as eleições legislativas e presidenciais.
- Se ocorrer a reconciliação das facções palestinas, e consequentemente as eleições, ele tomara uma decisão sobre concorrer ou não.
- Ele pediu uma "campanha popular' contras a expansão dos assentamentos, a "judaização" de Jerusalém Oriental, o bloqueio de Gaza, o confisco de terras e o Muro de separação.
- Essa campanha não incluiria ataques contra civis israelenses, nem lançamento de foguetes contra o território de Israel, o que Barghouti condena já faz um bom tempo.

A expectativa vem aumentando nas últimas semanas tendo em vista o avanço nas negociações para a libertação do soldado israelense Gilad Shalit, sequestrado por militantes palestinos em 2006 e até hoje preso em algum lugar em Gaza.

O preço para sua libertação incluiria a saída das prisões israelenses de um bom número de palestinos. O nome de Marwan Barghouti encabeça todas as listas de possíveis libertados.

Resta saber se o atual (ou qualquer outro) governo de Israel teria coragem e a vontade política para dar o passo decisivo.

É aí que pode e deve entrar o governo americano, pressionando por soluções que atendam verdadeiramente os interesses dos Estados Unidos, e não apenas os de uma minoria radical que mistura direitistas em Israel e nos Estados Unidos.


5 comentários:

Henrique disse...

Impressionante a facilidade que os palestinos tem para colocar a culpa nos outros. Entao corre o risco de nao ter eleicao por culpa do Hamas e por culpa de Israel. A guerra em Gaza foi culpa de Israel que revidou. A guerra no Libano foi culpa de Israel que revidou. A guerra dos 6 dias foi culpa de Israel que nao se deixou ser varrido do mapa.
Os palestinos precisavam de umas aulas de auto-critica para se enxergarem.

Luiz disse...

Henrique,

Sem querer entrar numa discussão que não terá fim (claramente temos posições antagônicas no assunto), desta vez a coisa é muito clara, pelo menos para mim.

Para Israel, o melhor dos mundos é a continuidade de Abbas, um governante fraco e sem perspectivas de alcançar a unidade. E se essa continuidade se der sem eleições, tanto melhor, pois enfraquece a posição palestina como uma das poucas democracias árabes.

Então, é só tomar aquelas pequenas medidas para dificultar o diálogo Fatah-Hamas e esperar o resultado.

Simples assim. Só não vê quem não quer...

Anrafel disse...

Luiz, que bom que você abandonou a sua decisão de não falar (escrever) sobre esse assunto. O resultado foi um grande post, equivalente a alguns daqueles que PD colocava no Weblog e assanhava a turma toda e a direitobada em particular, com seus absurdos bélico-preconceituosos.

É claro que os processos políticos e históricos não são totalmente impessoais. Há sempre um lugar para o talento e a persistência de um militante, um líder que não só percebe o momento certo, mas ajuda a criá-lo.

Se para Israel é difícil dar um passo nesse sentido (libertar Barghouti), para o futuro liberto (tomara) será tão difícil quanto traçar uma posição exatamente entre o Fatah e o Hamas, uma vez que este último parece também se empenhar no boicote ao processo de paz.

Ou seja, surge um novo nome (e uma nova possibilidade), mas as dificuldades continuam as mesmas.

Luiz disse...

Anrafel,

Rompi o silêncio principalmente para não deixar que o tema Barghouti passasse quase em branco na blogosfera tupiniquim.

Anrafel disse...

Valeu.