14 de janeiro de 2010

A Comissão da Verdade: um depoimento emocionado

De tudo que li sobre a já famosa Comissão da Verdade, transcrevo o pungente texto da jornalista Hildegard Angel, publicado no Jornal do Brasil em 08/01/2010.


Quem tem medo da verdade?

CHEGA UMA hora em que não aguento, tenho que falar. Já que quem deveria falar não fala, ou porque se cansou do combate ou porque acomodou-se em seus novos empregos... POIS BEM: é impressionante o tiroteio de emails de gente da direita truculenta, aqueles que se pensava haviam arquivado os coturnos, que despertam como se fossem zumbis ressuscitados e vêm assombrar nosso cotidiano com elogios à ação sanguinária dos ditadores, os quais torturaram e mataram nos mais sórdidos porões deste país, com instrumentos de tortura terríveis, barbaridades medievais, e trucidaram nossos jovens idealistas, na grande maioria universitários da classe média, que se viram impedidos, pelos algozes, de prosseguir seus estudos nas escolas, onde a liberdade de pensamento não era permitida, que dirá a de expressão!... E AGORA, com o fato distante, essas múmias do passado tentam distorcer os cenários e os personagens daquela época, repetindo a mesma ladainha de demonização dos jovens de esquerda, classificando-os de “terroristas”, quando na verdade eram eles que aterrorizavam, torturavam, detinham o canhão, o poder, e podiam nos calar, proibir, censurar, matar, esquartejar e jogar nossos corpos, de nossos filhos, pais, irmãos, no mar... E MENTIAM, mentiam, mentiam, não revelando às mães sofredoras o paradeiro de seus filhos ou ao menos de seus corpos. Que história triste! Eles podiam tudo, e quem quisesse reclamar que fosse se queixar ao bispo... ELES TINHAM para eles as melhores diretorias, nas empresas públicas e privadas, eram praticamente uma imposição ao empresariado — coitado de quem não contratasse um apadrinhado — e data daquela época esse comportamento distorcido e desonesto, de desvios e privilégios, que levou nosso país ao grau de corrupção que, só agora, com liberdade da imprensa, para denunciar, da Polícia Federal, para apurar, do MP, para agir, nos é revelado...

DE MODO cínico, querem comparar a luta democrática com a repressão, em que liberdade era nenhuma, e tentam impedir a instalação da Comissão da Verdade e Justiça, com a conivência dos aliados de sempre... QUEREM COMPARAR aqueles que perderam tudo — os entes que mais amavam, a saúde, os empregos, a liberdade e, alguns, até o país — com aqueles que massacraram e jamais responderam por isso.

Um país com impunidade gera impunidade. A história estará sempre fadada a se repetir, num país permissivo, que não exerce sua indignação, não separa o trigo do joio... TODOS OS países no mundo onde houve ditadura constituíram comissões da Verdade e Justiça. De Portugal à Espanha, passando por Chile, Grécia, Uruguai, Bolívia e Argentina, que agora abre seus arquivos daqueles tempos, o que a gente, aqui, até hoje não conseguiu fazer... QUE MEDO é esse de se revelar a Verdade? Medo de não poderem mais olhar para seus próprios filhos? Ou medo de não poderem mais se olhar no espelho?...



4 comentários:

Pablo Vilarnovo disse...

Cinismo é querer fazer acreditar que a infinita maioria dos que pegaram em armas contra a ditadura lutavam pela democracia.

Isso é que é um grande cinismo. Que aliás hoje vale muito dinheiro.

Em tempo: sou totalmente favorável que TODOS os militares que torturaram sejam presos. Mas assim como uns perderam parentes nos calabouços outros perderam pelo simples fato de serem motoristas de taxis que foram roubados para um assalto a banco, porque eram seguranças de banco, ou até mesmo transeuntes.

Será que a dor dessas pessoas também não conta? Será que o desejo de justiça dessas pessoas também não conta?

Luiz disse...

Pablo,

Não sei se a maioria era infinita, mas maior parte acreditava na democracia. Se comparar com o outro lado, então...

Também não gosto dessa farra de indenizações. Acho que apenas um grupo bem específico teria direito. E que deveria ser extendido para as pessoas como as que você citou.

Nem acho que prender os torturadores vá fazer muita diferença a essa altura do campeonato. A simples confirmação oficial do que realmente aconteceu, quando , onde, com quem e quem fez já seria suficiente. Vale para todos, dos dois lados.

O destino dos desaparecidos, se possível com a localização dos corpos é que seria indispensável.

Pablo Vilarnovo disse...

Luiz, não há nenhuma prova de que essas pessoas acreditavam na democracia. Pelo contrário. É só pegar os documentos das próprias organizações com o VAR-Palmares, o MR-8 e outras.

Em todos se falava em ditadura do proletariado e nenhum falava em democracia.

Luiz disse...

Pablo,

Primeiro, as organizações mais radicais não eram a maioria.

Segundo, a realidade do mundo era outra, e muitos patriotas sinceros e amantes da liberdade se viram sem opção. A ditadura tirou todo o espaço para a oposição moderada, e para muitos a luta armada, pesadamente embasada ideologicamente, era a única saída.

Tanto que, assim que ditadura deu algum espaço (1974 em diante), quase todos optaram pela via política.