Vai começar a vigorar hoje o Horário de Verão. Em dez estados e no Distrito Federal os relógios deverão ser adiantados em uma hora.
Seguindo o disposto em um Decreto de 2008, todos os anos o esse procedimento deverá ser implementado à zero hora do terceiro domingo de outubro e vigorará até a zero hora do terceiro domingo de fevereiro do ano subsequente (exceto se coincidir com o domingo de Carnaval, o que adia em uma semana o encerramento).
Minha dúvida é: isso é realmente necessário? Esse alteração traz reais e indispensáveis benefícios? E a quem ele de fato beneficia?
Primeiro, a base científica para o Horário de Verão leva em consideração que sua implantação se justificaria nas regiões onde a variação de incidência de luz solar entre as estações for significativa. Isso ocorre nas áreas de latitude mais alta, especificamente aquelas situadas ao norte do Trópico de Câncer e ao sul do Trópico de Capricórnio.
O Brasil tem apenas a sua Região Sul (mais uma parte do estado de São Paulo) enquadrados na área acima descrita. Entretanto, o Decreto que regula o assunto inclui outros 7 estados onde a diferença de tempo de luz natural é muito menos significativa. Alguns casos beiram o ridículo, como o do Mato Grosso. O extremo sul do estado está aproximadamente no paralelo 17, ou seja, uns 700 quilômetros ao norte do Trópico de Capricórnio, o que faz com que a diferença de insolação seja muito pequena. O centro e o norte do estado então nem precisa falar...
Da mesma forma, muitas áreas de Goiás e Minas Gerais estão a mais de 1000 quilômetros ao norte da linha imaginária, e o Distrito Federal a mais de 800 quilômetros. E pensar que em décadas passadas quiseram obrigar o Nordeste a adotar a medida...
Outro fato relevante, na mesma linha: o Brasil é o único país equatorial (e mesmo inter-tropical) que adota o Horário de Verão.
A alegação de economia de energia também não se sustenta. Mesmo em anos de muita redução de consumo, esta não alcançou 5%. Nunca as metas estabelecidas foram alcançadas. O único local onde isso acontece é ... a Região Sul. Será coincidência?
Claro que, em anos de estiagem mais severa, quando o nível dos reservatórios das usinas de geração de energia hidrelétrica estiver abaixo do normal, a medida teria sua importância, mas esses tem sido anos de exceção.
Segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), o nível dos reservatórios da região Sudeste no final de setembro de 2009 (70,31%) era o maior dos últimos 10 anos para o período. Já o nível dos reservatórios da região Sul (94,41%) era o 2º mais alto (perdia para o ano de 2005). Nota-se que a situação atual é muito confortável, tanto que diversas usinas termoelétricas à gás foram desligadas.
E mesmo os horários de pico estão com razoável margem de cobertura, até em virtude da queda do consumo provocada pela crise financeira e ainda não totalmente recuperada. Ao mesmo tempo, diversas pequenas e médias usinas hidrelétricas e, principalmente, eólicas tem iniciado sua operação, aumentando a capacidade de geração.
E quanto às implicações na saúde das pessoas? É ponto pacífico que o chamado relógio biológico das pessoas demora algum tempo para se acostumar com a mudança. A maioria das pessoas leva aproximadamente uma semana para se adaptar, mas uma parcela não desprezível demora muito mais tempo, com prejuízos à saúde em seus diversos aspectos.
Esse tipo de alteração encontra paralelo em um fato bem conhecido. Em 1992, após ingressar na União Européia, Portugal foi obrigado a alterar seu fuso horário, em 1 hora para igualar-se à maioria da Europa Ocidental. Entretanto, o prejuízo logo se fez notar, com alterações no rendimento profissional e escolar e significativo aumento no consumo de estimulantes, legais ou não. O fato foi de tal monta que o governo português foi obrigado a voltar atrás e restabelecer o fuso horário anterior.
(Parêntesis: Desde o ano passado uma lei alterou os fusos horários do Brasil. A metade oeste do Pará adotou o fuso de Brasília, e o Acre e os municípios do oeste do Amazonas avançaram para o fuso de Brasília menos 1 hora, que já valia para o restante do Amazonas, Rondônia, Roraima, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Grande parte dos acreanos ainda luta pela volta do fuso horário anterior.)
Outro problema é que a alteração de horários nos principais centros econômico-financeiros do País acaba refletindo nas regiões que não adotam a medida. Horários bancários, de partidas de viagens aéreas, de transmissões de TV e até de jogos de futebol tem que ser alterados, com os prejuízos inerentes.
A única questão dentre as que fiz acima e que não consigo uma resposta clara é: a quem beneficia? Ora, porque alguém deve estar lucrando com a medida. Se só houvessem perdedores, lógico que ela não seria implantada.
Mas, quem?
ATUALIZAÇÃO: Dialogando com um conhecido que trabalhou no setor elétrico, ele deixou transparecer que uma das razões da implantação do Horário de Verão seria descolar o pico do consumo doméstico dos pico do consumo de iluminação pública, o que reduziria a chance problemas, já que não existe (ou existia) orçamento para uma manutenção adequada da rede.
Faz sentido. Mas que coisa, não é? Falta dinhero (ou vontade) para fazer a coisa certa (manutenção preventiva e corretiva da rede) e apelamos para um artifício?
Seguindo o disposto em um Decreto de 2008, todos os anos o esse procedimento deverá ser implementado à zero hora do terceiro domingo de outubro e vigorará até a zero hora do terceiro domingo de fevereiro do ano subsequente (exceto se coincidir com o domingo de Carnaval, o que adia em uma semana o encerramento).
Minha dúvida é: isso é realmente necessário? Esse alteração traz reais e indispensáveis benefícios? E a quem ele de fato beneficia?
Primeiro, a base científica para o Horário de Verão leva em consideração que sua implantação se justificaria nas regiões onde a variação de incidência de luz solar entre as estações for significativa. Isso ocorre nas áreas de latitude mais alta, especificamente aquelas situadas ao norte do Trópico de Câncer e ao sul do Trópico de Capricórnio.
O Brasil tem apenas a sua Região Sul (mais uma parte do estado de São Paulo) enquadrados na área acima descrita. Entretanto, o Decreto que regula o assunto inclui outros 7 estados onde a diferença de tempo de luz natural é muito menos significativa. Alguns casos beiram o ridículo, como o do Mato Grosso. O extremo sul do estado está aproximadamente no paralelo 17, ou seja, uns 700 quilômetros ao norte do Trópico de Capricórnio, o que faz com que a diferença de insolação seja muito pequena. O centro e o norte do estado então nem precisa falar...
Da mesma forma, muitas áreas de Goiás e Minas Gerais estão a mais de 1000 quilômetros ao norte da linha imaginária, e o Distrito Federal a mais de 800 quilômetros. E pensar que em décadas passadas quiseram obrigar o Nordeste a adotar a medida...
Outro fato relevante, na mesma linha: o Brasil é o único país equatorial (e mesmo inter-tropical) que adota o Horário de Verão.
A alegação de economia de energia também não se sustenta. Mesmo em anos de muita redução de consumo, esta não alcançou 5%. Nunca as metas estabelecidas foram alcançadas. O único local onde isso acontece é ... a Região Sul. Será coincidência?
Claro que, em anos de estiagem mais severa, quando o nível dos reservatórios das usinas de geração de energia hidrelétrica estiver abaixo do normal, a medida teria sua importância, mas esses tem sido anos de exceção.
Segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), o nível dos reservatórios da região Sudeste no final de setembro de 2009 (70,31%) era o maior dos últimos 10 anos para o período. Já o nível dos reservatórios da região Sul (94,41%) era o 2º mais alto (perdia para o ano de 2005). Nota-se que a situação atual é muito confortável, tanto que diversas usinas termoelétricas à gás foram desligadas.
E mesmo os horários de pico estão com razoável margem de cobertura, até em virtude da queda do consumo provocada pela crise financeira e ainda não totalmente recuperada. Ao mesmo tempo, diversas pequenas e médias usinas hidrelétricas e, principalmente, eólicas tem iniciado sua operação, aumentando a capacidade de geração.
E quanto às implicações na saúde das pessoas? É ponto pacífico que o chamado relógio biológico das pessoas demora algum tempo para se acostumar com a mudança. A maioria das pessoas leva aproximadamente uma semana para se adaptar, mas uma parcela não desprezível demora muito mais tempo, com prejuízos à saúde em seus diversos aspectos.
Esse tipo de alteração encontra paralelo em um fato bem conhecido. Em 1992, após ingressar na União Européia, Portugal foi obrigado a alterar seu fuso horário, em 1 hora para igualar-se à maioria da Europa Ocidental. Entretanto, o prejuízo logo se fez notar, com alterações no rendimento profissional e escolar e significativo aumento no consumo de estimulantes, legais ou não. O fato foi de tal monta que o governo português foi obrigado a voltar atrás e restabelecer o fuso horário anterior.
(Parêntesis: Desde o ano passado uma lei alterou os fusos horários do Brasil. A metade oeste do Pará adotou o fuso de Brasília, e o Acre e os municípios do oeste do Amazonas avançaram para o fuso de Brasília menos 1 hora, que já valia para o restante do Amazonas, Rondônia, Roraima, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Grande parte dos acreanos ainda luta pela volta do fuso horário anterior.)
Outro problema é que a alteração de horários nos principais centros econômico-financeiros do País acaba refletindo nas regiões que não adotam a medida. Horários bancários, de partidas de viagens aéreas, de transmissões de TV e até de jogos de futebol tem que ser alterados, com os prejuízos inerentes.
A única questão dentre as que fiz acima e que não consigo uma resposta clara é: a quem beneficia? Ora, porque alguém deve estar lucrando com a medida. Se só houvessem perdedores, lógico que ela não seria implantada.
Mas, quem?
ATUALIZAÇÃO: Dialogando com um conhecido que trabalhou no setor elétrico, ele deixou transparecer que uma das razões da implantação do Horário de Verão seria descolar o pico do consumo doméstico dos pico do consumo de iluminação pública, o que reduziria a chance problemas, já que não existe (ou existia) orçamento para uma manutenção adequada da rede.
Faz sentido. Mas que coisa, não é? Falta dinhero (ou vontade) para fazer a coisa certa (manutenção preventiva e corretiva da rede) e apelamos para um artifício?
Um comentário:
Pedro Parente, quando foi escalado para comandar o setor, justificou da mesma maneira: maior facilidade para operar o sistema nos horários de pico.
O físico Luiz Pingelli Rosa ainda vê conseqüências (olha o trema aí) da trapalhada elétrica do governo FHC.
De qualquer forma, mesmo com a economia crescendo de maneira bastante razoável não parece haver risco de apagão, o que também, ironicamente, deve-se ao comportamento da natureza (que assim como desgraça milhares de vidas produz benefícios) e à freada gerada pela crise.
Postar um comentário