24 de janeiro de 2008

Inocência ou cegueira

Mês passado tratei aqui, de uma forma rápida, do projeto de Transposição do São Francisco.

Hoje, voltando do almoço, ouvi no rádio do carro uma entrevista que me deixou fulo da vida. Era um dirigente de uma ONG que se opõe ao projeto, argumentando fundamentalmente que ele só vai beneficiar "as elites da região e as multinacionais exportadoras de frutas e de camarão". Pregava a adoção de métodos alternativos de convivência com a seca e defendia o investimento em agricultura familiar.

Quanto aos métodos alternativos, eles são isso mesmo: alternativos. Podem ajudar, mas não resolvem. Cisternas de placas, mesmo com capacidade para 16.000 litros de água, não resistem a dois anos de seca intensa. Dependendo da família não resiste nem a um ano.

Investimento em agricultura familiar é essencial, mas pode ser implementado de forma muito melhor com uma fonte de água garantida.

Mas não são estes argumentos que me deixaram injuriado. Foi a lenga-lenga acusatória contra as elites e as multinacionais.

Quem me conhece (mesmo que apenas por este espaço) sabe bem que não tenho a menor simpatia pelas elites que comandam nosso país e, particularmente, o Nordeste desde sempre. Sempre lutei contra eles e pretendo continuar com posições críticas até o fim. Da mesma forma, sempre tive clara qual era a política das grandes empresas estrangeiras atuando no Brasil e seu pouco caso para com nosso povo.

Por isso mesmo, acho inaceitável que esse dirigente de ONG, um nordestino, e que deixa bem claro que reza por uma cartilha pretensamente de esquerda (toda cara de PSOL ou PSTU), se deixe levar, embalado por um desejo de atingir pela esquerda o governo Lula, pelo discurso anti-transposição, que na realidade é o discurso de parte da elite do Sul-Sudeste junto com a parte mais atrasada da elite nordestina. Lembrem-se: o grande arauto contra a transposição era ... ACM.

Por que parte (reconheço, minoritária) da elite Sul-Sudeste? A eles não interessa que os estados nordestinos rompam com as relações de submissão para com os estados mais desenvolvidos. Um avanço significativo na infra-estrutura do Nordeste teria conseqüencias a médio e longo prazo na correlação de forças políticas brasileiras.

Em resumo, é revoltante que um nordestino se deixe cegar por cegar por posições políticas pretensamente progressistas, mas que na realidade fazem o jogo do que há de pior neste país. Negam ao nosso povo a chance de garantir um bem básico e insubstituível, a água, a pretexto de possível má utilização e se arvorando em defensores das camadas mais pobres desse mesmo povo.

O projeto de transposição tem problemas? Sim, mas esses problemas ainda podem ser sanados sem comprometer a idéia em si. Pode, e deve ser, instrumento poderoso de transformação da realidade da população do Norte do Semi-Árido nordestino.

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