11 de setembro de 2008

Um aniversário infame. Não aquele, o outro.

Quando se fala em 11 de setembro, quase qualquer pessoa no mundo automaticamente pensa nos atentados de 2001 contra alvos americanos e que deixaram cerca de 4.000 mortos. Foi o ato brutal que, de fato, iniciou o novo século, e junto com ele uma nova fase de medo, ódio e desconfiança, tudo misturado, entre o Ocidente e parte do Oriente. Papo pra outra hora.

Para grande parte dos latino-americanos com mais de 40 anos, porém, a data, antes de 2001, era lembrada por outra tragédia, que provocou um número bem superior de mortos (cálculos variam de 15.000 a 30.000), e marcou de maneira indelével a história do Chile, em particular, e da América Latina como um todo.

Claro que estou falando do infame golpe militar que, com o apoio e colaboração dos Estados Unidos, derrubou em 1973 o governo legitimamente eleito do socialista Salvador Allende, que liderava uma coalizão de forças de esquerda, e que acabou vindo a falecer em circunstâncias ainda não totalmente esclarecidas. Pode ter sido suicídio (provável) ou assassinato. Talvez nunca tenhamos certeza.

Além dos democratas chilenos de todos os matizes, a repressão assassina executada pelos comandados daquele cujo nome me recuso a escrever buscou atingir o grande número de cidadãos de outros países que tinham buscado refúgio no Chile fugindo das ditaduras de seus respectivos países. Muitos pagaram com a vida. Milhares tiveram que fugir às pressas.

Domingo passado, assistindo o jogo da seleção brasileira em Santiago, a lembrança do campo de concentração em que se tornou o Estádio Nacional me turvou a vista.

Hoje completam-se 35 anos daquele dia trágico. As cicatrizes ainda não fecharam por completo, apesar dos novos tempos vividos pelo país andino e por quase todo o continente, e é dever de todos os amantes da liberdade não deixar que essa data seja esquecida, como um alerta contra o facismo obscurantista e sanguinário.


P.S. Ia esquecendo: de maneira indireta, o golpe apressou a morte do genial Pablo Neruda.


8 comentários:

Marcelo disse...

Excelente lembrança, Luiz. Apesar do impacto mundial do atentado às Torres Gêmeas, nós latino-americanos devemos ser mais tocados por esse outro aniversário.
Que não se repita jamais.

Pax disse...

Bem lembrado mesmo. Hoje em dia há uma massa brasileira indignada. Mas essa indignação é gera sentimentos ambíguos. Por um lado o sentimento positivo que democrativamente vá se acertando rumos, remobilizando a sociedade para que ela própria descubra caminhos melhores, num processo que nunca é rápido.

O sentimento negativo é que uma parte dessa massa chega a sentir saudades dos momentos de restrição das liberdades democráticas. Aí é onde mora um enorme perigo.

Bom post. Bom blog.

Anônimo disse...

Que bom encontrar conterrâneos que ainda lembram de Allende, sem imaginar que se trata de sua prima de 2o. grau Isabel, a escritora. Que bom ouvir referências a Neruda. Que bom ouvir falar de um Chile que acolheu tantos exilados brasileiros, e onde foi gerado este que vos fala, nove meses depois nascido no Brasil.
Abraços

El Torero disse...

Uma grande amiga minha veio a nascer no Brasil por conta do golpe. Seus pais recém formados preferiram vir para cá. Os causos que ela ouviu e ouve de seus pais e tios é recorrente nos papos qdo ela está junto.

anrafel disse...

Difícil dimensionar os prejuízos humanos e à idéia de democracia na América Latina causados pelo golpe militar liderado pelo ferrabrás que, a exemplo do Luiz, me recuso a escrever o nome (que a terra lhe seja pesadíssima).

A partir dali (e depois com a Argentina), consolidou-se a Operação Condor, a prisão e eliminação de pessoas de esquerda, independente da nacionalidade, no Brasil, Chile, Uruguai, Paraguai e Argentina).

O apoio dos EUA deixou os facínoras tão à vontade que o serviço secreto chileno ousou assassinar em plena Washington, em 1976, o ex-ministro das Relações Exteriores de Allende, Orlando Letelier.

Imaginem o que não fizeram aqui pelo Cone Sul.

E referindo-me ao comentário do Pax, é realmente muito triste esse desapego às liberdades democráticas. Pior ainda é quando tentam relativizar os crimes da ditadura chilena alegando o seu suposto sucesso econômico.

Luiz, meu caro, um ótimo fim-de-semana.É o mínimo que posso te desejar depois de um post como esse.

Anônimo disse...

Muito bem lembrado e muito boa síntese do tema.

Sem dúvida, este 11/09 é muito mais significativo para a América Latina do que o "outro" 11/09.

É claro que as vítimas do "outro" merecem respeito, mas os milhares de executados pelo carrasco chileno tentavam construir um país enquanto as do "outro" eram de um país que destrói os demais.

anrafel disse...

Um registro meio off-topic: em 1973, perdemos três Pablos de uma outra ordem de grandeza: Neruda, Casals e Picasso.

E mais fora do tema ainda: Rick Wright, o tecladista do Pink Floyd, morreu hoje.

Anônimo disse...

http://www.youtube.com/watch?v=s36pvia0VY0&feature=related