10 de outubro de 2008

Um conservador com bom-senso e clareza

Se você acompanha este blog sabe que encontrará aqui posições que podem ser enquadradas como, no mínimo, progressistas. Raramente concordo com as correntes conservadoras do pensamento, político e econômico, apesar de respeitar alguns de seus expoentes pela honestidade e clareza.

Exatamente por isso, considero importante transcrever este artigo de David Brooks, colunista do The New York Times, onde ele analisa a situação atual do Partido Republicano à luz de suas ações nas últimas décadas. Óbvio que não se precisa concordar com tudo que ele escreveu, mas certamente é um retrato claro e honesto da situação dos conservadores americanos.

Aviso: se o seu inglês for pelo menos mediano, vá direto ao artigo original. Poupe-se de ter que digerir o trabalho de um tradutor de quinta categoria (este que vos escreve)...


O conservadorismo moderno começou como um movimento de intelectuais dissidentes. Richard Weaver escreveu um livro chamado, "As idéias têm conseqüências." Russell Kirk colocou Edmund Burke em um contexto americano. E William F. Buckley cunhou a célebre frase em que ele disse preferir ser regido pelos 2000 primeiros nomes na lista telefônica de Boston do que pela faculdade de Harvard. Mas ele não acreditava que aquelas eram as duas únicas opções. Sua vida toda foi uma celebração dos valores urbanos, da sofisticação e da aplicação rigorosa e constante do intelecto.

Impulsionada por uma necessidade de envolver os formadores de opinião, os conservadores tentaram construir uma alternativa intelectual ao sistema com grupos de reflexão e revistas. Eles desprezavam as idéias liberais dos acadêmicos, mas não desprezavam a idéia de uma mente cultivada.

Ronald Reagan não era nenhum intelectual, mas ele tinha uma fervorosa fé em idéias e passou décadas trabalhando através delas. Ele tinha raízes no Centro-Oeste, mas também amava Hollywood. E por um tempo, parecia que o Partido Republicano seria uma ampla coligação – valores das pequenas cidades do interior unidos à força das regiões costeiras.

Em 1976, em uma eleição apertada, Gerald Ford ganhou toda a Costa Oeste, juntamente com estados do nordeste, como Nova Jersey, Connecticut, Vermont e Maine. Em 1984, Reagan ganhou todos os estados, exceto Minnesota.

Mas, nas últimas décadas, o Partido Republicano afastou as pessoas que vivem nas grandes cidades, em regiões altamente educadas e nas regiões costeiras. Este afastamento teve muitas causas. Mas a principal é essa: estrategistas políticos republicanos decidiram mobilizar a sua coligação para uma forma de guerra de classes. Como os democratas continuaram nomeando candidatos ligados às áreas costeiras, como Michael Dukakis, logo os republicanos atacaram tudo que tivesse origem nessas áreas.

Ao longo dos últimos 15 anos, o mesmo argumento foi ouvido de milhares de políticos e de centenas de apresentadores de televisão e de rádio. A nação estaria dividida entre os Zé-Ninguém do interior e os ultra-sofisticados, super-educados e hiper-secularizados imigrantes das grandes cidades costeiras.

O que tinha sido um desprezo pelos intelectuais liberais escorregou para um desdém com a classe instruída como um todo. Os liberais tinham apoio das áreas desenvolvidas, de forma que os conservadores desenvolveram o seu próprio anti-elitismo, com suas próprias categorias e ressentimentos, mas com o mesmo efeito corrosivo.

Os Republicanos desenvolveram seu próprio estilo liderança. Se os líderes Democratas prezavam deliberação e auto-exame, os republicanos iriam governar a partir do intestino.

George W. Bush refreou alguns dos excessos populistas de seu partido - o fervor anti-imigração, o isolacionismo - mas estilisticamente ele encaixou-se perfeitamente. Como Fred Barnes, escreveu em seu livro, "Rebel-in-Chief," Bush "reflete a opiniões políticas e gostos culturais da grande maioria dos americanos que não vivem ao longo das Costas Leste ou Oeste. Ele não é alguém sofisticado e não gasta o seu tempo livre com pessoas sofisticadas. Como a Primeira Dama Laura Bush disse uma vez, o presidente e ela não vieram a Washington para fazer novos amigos. E eles não fizeram... "

Os efeitos políticos dessa tendência tem sido evidentes. Republicanos alienaram as regiões fortemente educadas - Silicon Valley, norte da Virgínia, os subúrbios de Nova York, Filadélfia, Chicago e Raleigh-Durham. A Costa Oeste e Nordeste, em grande parte, se foram.

Os republicanos também alienaram todas as profissões. Os advogados agora doam para o Partido Democrata a mais que ao Partido Republicano na proporção de 4 para 1. Com os médicos, é 2 para 1. Com os executivos da área de tecnologia, é 5 para 1. Com trabalhadores do setor financeiro é de 2 para 1. Foi preciso talento para os republicanos perderem a comunidade bancária...

Os conservadores são tão raros na elite universitária e nos principais meios de comunicação como eram há 30 anos. Os jovens americanos mais inteligentes são educados em um ambiente esmagadoramente liberal.

Este ano as coisas poderiam ter mudado. O G.O.P. tinha três candidatos presidenciais de origem urbana. Mas os clichês radicais assumiram o controle. Rudy Giuliani desdenhou dos cosmopolitas na convenção republicana. Mitt Romney fez um discurso atacando as "elites do leste." (Logo Mitt Romney!!!) E John McCain escolheu Sarah Palin.

Palin é inteligente, politicamente qualificada, corajosa e amável. Seu desempenho na convenção e no debate foi impressionante. Mas nenhum político americano usa a carta do radicalismo tão constantemente como Palin. Ninguém tão inexoravelmente divide o mundo entre os "João-Ninguém americanos normais" e as elites.

Ela é mais um passo na mudança de personalidade Republicana. Antigamente, os conservadores admiravam Churchill e Lincoln acima de tudo - homens de origens e formações completamente diferentes, que se prepararam para a liderança através de constante leitura, compreensão histórica e pensamento sofisticado. Agora, esses atributos caíram de joelhos frente ao senso comum.

E assim, politicamente, o G.O.P. é espremido em ambas as extremidades. O partido está perdendo a classe trabalhadora por omissão - porque não têm desenvolvido políticas para tratar ansiedade econômica. E ele perdeu a classe instruída por ação - por dizer aos seus membros para ir embora.

2 comentários:

Marcelo disse...

Gostei do texto, Luiz. O articulista mostra uma sobriedade na análise que faz muita falta pra grande parte da direita brasileira. Nós, que frequentamos o PD, vemos isso sempre.

anrafel disse...

Faz muita falta, principalmente porque uma direita sóbria e argumentativa melhoraria a esquerda.

Vejamos os embates recentes. A direita brasileira, que tem como um dos seus gurus o Roberto Campos e políticos expoentes gente como ACM e Maluf, assalariou colunistas de jornais e revistas, comentaristas de TV e arremedos de parlamentares para defender um elemento que faz da atividade empresarial um campo para a prática constante do estelionato de diversos tipos. Quase transformaram um juiz e delegado federais em réus.

Mais recentemente, passou-se a defesa de um ministro do Judiciário cínico e arrivista, apoiado por um ministro quinta-coluna do governo Lula.

E agora a tarefa é tentar eximir de qualquer culpa a cleptocracia americana, que tem acelerado o processo de decadência do liberalismo estadunidense, levando com isso boa parte do mundo na esparrela.