_ Ô, Protógenes!
Protógenes levantou a cabeça por cima da parede do seu cubículo e avistou o seu chefe fumegando em sua direção. “Malditas segundas feiras”, pensou.
_ Porra, Protógenes!
Junto com o expletivo, aterrisou na mesa de Protógenes um enorme calhamaço, jogado pelo seu chefe de uma distância que em outro lugar valeria uma cesta de 3 pontos.
_ Qual o problema, chefe? _ murmurou um acuado Protógenes.
_ Tu ainda me pergunta qual é o problema?? Qual é a tua? Depois de quatro anos de investigação, milhares de horas homem de trabalho, cinquenta grampos autorizados pela Justiça…tu me aparece com isso?
O chefe pegou o calhamaço e o agitou na frente de seu rosto, de modo que Protógenes só conseguia ver o título do documento _ “Investigação acerca da eventual culpabilidade de Daniel Dantas: o Poder de Polícia, seus Limites e Possibilidades” _ encimado por um par de olhos vermelhos e coléricos.
_ Que porra é essa, Protógenes???
_ Bom, chefe, é o relatório final da operação Satiagraha e…
_ Porra, Protógenes! Isso não é um relatório de um inquérito, é uma tese de doutorado!
_ É, chefe, eu aproveitei e…
_ Aproveitou uma ova! Teu relatório tem dedicatória, Protógenes! DE-DI-CA-TÓ-RI-A! Quer que eu leia pra você?
Antes que Protógenes pudesse dizer que não, que ele conhecia a dedicatória muito bem, afinal havia sido ele quem a escreveu, o chefe começou a berrá-la a plenos pulmóes:
_ “Gostaria de dedicar este relatório a meus filhos, minha mulher, meu professor de lógica modal e a Daniel Dantas, sem cuja colaboração este relatório jamais poderia ter sido escrito”…
_ Mas, chefe, é verdade, veja bem que…
_ PORRA, Protógenes, eu sei que você é cuidadoso, todo mundo neste maldito prédio sabe, mas agradecer o suspeito já é demais, você não acha não?
_ Tecnicamente, chefe, o Daniel Dantas não é bem um suspeito, porque tecnicamente, dependendo do valor de verdade…
_ CALABOCA, Protógenes!
_ Mas chefe, o fato é que o Dantas é fruto do seu meio, uma típica personalidade criada por um mundo materialista que…
_ Protógenes, enfia essa sua filosofia no cu! Eu quero é saber se o juiz vai prender o Daniel Dantas ou não vai, cacete!
_ Chefe, o sistema jurídico, tal como plasmado em nossa sociedade…
_ PORRA, Protógenes! Eu quero saber o seguinte: você fez o Dantas tocar o piano ou não?
_ Chefe, o Sr. sabe muito bem que não dispomos destas amenidades aqui na delegacia e…
_ Não fode, Protógenes!
O chefe saiu zunindo, sabendo que daí a meia hora teria que se haver com um furioso Ministro da Justiça. Protógenes sentou no seu cúbiculo, coçou a cabeça um pouco, e retomou a leitura do seu exemplar de “After the Fact”, do Clifford Geertz.
P.S. Título do post inspirado por Juca Kfouri .
2 comentários:
Muito bom!
Coitado do Protógenes. Encarou Dantas que comprou, bem, de A a Z, é melhor achar quem ele não comprou.
E o tadinho do Protógenes tá apanhando mais que Marina Madalena Silva.
Prender ladrão rico e defender nossas florestas só dá roubada. Com todos os trocadilhos que tenho direito !
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