21 de dezembro de 2008

Overdose germânica

Por conta de meus hábitos televisivos, sempre assisti uma razoável quantidade de filmes europeus, especialmente documentários. Na maioria franceses ou alemães. O que para alguns (ou muitos) poderia ser uma chatice sem fim (e algumas vezes é...), para mim sempre foi algo que despertou bastante interesse. Óbvio que bom naco desses filmes remete aos acontecimentos da primeira metade do século XX. A 1ª Guerra, o surgimento do nazismo, a perseguição aos judeus, a destruição resultante da 2ª Guerra e a ascensão de governos comunistas no leste europeu são assuntos constantemente reiterados.

Nesses últimos dias, dois filmes alemães e um filme francês com temática alemã chamaram minha atenção.

O primeiro é A Vida dos Outros (Das Leben der Anderen), ganhador do Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira de 2007. O filme se passa na Alemanha Oriental do início dos anos 80 e tem como personagens principais um conhecido escritor, uma atriz (sua namorada), e um agente da Stasi, a temida polícia secreta, encarregado de vigiá-los. O modo como suas vidas vão se entrelaçando e os dilemas enfrentados pelo policial fazem do filme um dos mais instigantes dos últimos tempos. Recomendo.

Os outros dois são documentários. Um deles chama-se Berlim: Uma Praça, Um Assassinato e Um Comunista Famoso (Berlin Ecke Volksbühne), e é focado na história no século XX de uma pequena praça de Berlim que foi palco de inúmeros acontecimentos marcantes para a Alemanha. Por exemplo, lá se localizava a sede do Partido comunista alemão na época da República de Weimar, o que acabou tornando a praça local de constantes confrontos com as milícias nazistas. O filme retrata o auge e a decadência da região, sem esquecer do destino das famílias judias que lá habitavam. Interessante também é ver como um assassinato ocorrido no início dos anos 20 só vai ser solucionado mais de 60 anos depois.

O último é o documentário francês Idiomas não Mentem (La Langue Ne Ment Pas), que conta vida do filólogo alemão de origem judia Victor Klemperer, o qual apesar de convertido ao protestantismo e casado com uma alemã foi tragado pela perseguição nazista. Klemperer escreveu um longo diário (publicado no Brasil pela Companhia das Letras) em que relatou cada pequena agressão, privação e humilhação imposta pelos nazistas, e dava especial atenção ao modo como a língua alemã era maltratada e subvertida pelos nacional-socialistas. Uma das razões da importância desse relato é que o autor foi um dos raríssimos membros da comunidade judaica de Dresden que sobreviveu à guerra inteira e que nunca deixou à Alemanha, o que lhe dá uma posição ímpar como observador integral do processo.

Aliás, Klemperer é também uma das poucas pessoas que pode dizer que utilizou uma tragédia para escapar de outra ainda maior. Em 13 de fevereiro de 1945 os nazistas ordenaram que os últimos sobreviventes judeus em Dresden se preparassem para a deportação imediata. Naquela noite, entretanto, ocorreu o famoso bombardeio de Dresden pelos aviões aliados. Na confusão, Victor arrancou a estrela amarela das roupas e misturou-se aos demais refugiados em fuga.

6 comentários:

Pax disse...

Você sempre me provocando com excelentes dicas.

Cá vou correr atrás agora.

Obrigado.

anrafel disse...

Lendo o seu relato sobre Klemperer, lembro daquela coisa assustadora dita por Primo Levi. Segundo ele, os que sobreviveram aos campos não são as verdadeiras testemunhas.

"Somos aqueles que, por prevaricação, habilidade ou sorte, jamis tocaram o fundo. Os que tocaram, e viram a face das Górgonas, não voltaram, ou voltaram sem palavras".

Luiz disse...

anrafel,

Boa lembrança a sua do Primo Levi.

Dele, sempre lembro uma declaração: a de que nos arredores dos campos de concentração reinava um silêncio absoluto. Não se escutava um pássaro sequer. O odor da morte os espantava.

Bom Natal e um ótimo 2009 para você e os seus.

Pax disse...

Feliz Natal bom Luiz.

Pra você, pra tua família e pra todos os colegas leitores desse bom blog.

anrafel disse...

Luiz,

Uma grande noite de Natal e um ótimo Ano Novo para você e toda a sua turma.

Pax,

Isso vale também para você.

Abração.

Pax disse...

Ô anrafel, bom anrafel, a recíproca é verdadeira. Bem verdadeira sim.

Melhor ficar aqui que naqueles posts "construtivos" lá do Pedro Doria esses dias. Bá, como diriam meus conterrâneos.