18 de maio de 2009

Uma história das periferias do Brasil

Hoje resolvi passar para os meus escassos leitores uma história que me foi contada uns dias atrás pela minha filha mais velha, a que tem nome de filme do Woody Allen. E como inspirada pelo cineasta americano, essa história tem lances de tragédia salpicados de comédia.

A herdeira faz graduação em Enfermagem, e durante o curso os alunos tem por obrigação tomar contato com a realidade dos Postos de Saúde que atendem a grande massa de nossa população, especialmente aquela residente nas periferias mais desassistidas de nossas metrópoles. E foi durante a visita a um desses Postos que ela escutou o relato de uma de suas professoras, que também é uma das encarregadas pela Unidade.

O Posto, além do atendimento corriqueiro, é uma base para as equipes do Programa de Saúde da Família (PSF), um programa que faz com que os profissionais de saúde vão ao encontro da população em suas residências. Para a saúde da fatia mais pobre do nosso povo isso tem um potencial quase revolucionário, e já obteve avanços significativos. Dentre os diversos tipos de doenças que são focadas pelo programa se encontra a tuberculose. Um atendimento mais próximo e individualizado para os portadores desse mal é importantíssimo, tendo em vista que o tratamento dura 6 meses e não deve ser interrompido sob pena de a bactéria se fortalecer e dificultar a cura. Pois bem, o pessoal do Posto tem como obrigação ir visitar os pacientes que deixam de comparecer para as consultas e para pegar os medicamentos. E é aí que, em muitos casos, as coisas complicam...

Um dos pacientes que deixaram de aparecer no Posto é, simplesmente, o chefe do tráfico de drogas da região, e que atende pelo singelo mas explicável apelido de Pato Rouco. Além dele, outros três conhecidos traficantes do mesmo grupo também estão acometidos do mesmo mal.

A profissional de saúde resolveu que isso não era motivo para deixá-los de fora do atendimento domiciliar, e resolveu se embrenhar favela adentro para encontrá-los. Por medida de segurança foi pesadamente uniformizada, de modo a deixar claro quem ela era. Sábia decisão: teve que enfrentar três barreiras colocadas pelos traficantes, e em cada uma precisou se identificar cuidadosamente.

Chegando até a presença do chefe ela foi cordialmente tratada, e executou sua função sem maiores problemas. Porém, estando ali, acabou identificando outro problema. Estava presente a companheira do Pato Rouco, que além de estar completamente "chapada" também apresentava sintomas da tuberculose e, para piorar, estava grávida. Para evitar complicações no parto, a enfermeira aconselhou que ela procurasse atendimento no Posto.

Passaram-se várias semanas e nenhuma notícia dos dois.

Até que, belo dia, um morador da comunidade que havia comparecido ao Posto procurou pela encarregada e foi logo dizendo:

- Dotôra, a senhora não sabe a novidade: nasceu o Pato Rouquinho...


4 comentários:

Marcelo disse...

Rir pra não chorar, né Luiz? Tomara que o garoto herde do pai apenas o apelido, e que se encaminhe pra coisas melhores...

Nhé! disse...

Caramba, quais as consequências para o bebê ter nascido de uma mãe tuberculosa?

Pax disse...

O que alguns médicos já me disseram é que a turma do crime respeita a turma de branco, da saúde.

Sabem que a probabilidade de precisarem dos "serviços" é bem mais alta que a estatística média.

anrafel disse...

Pax,

Não é bem o que está acontecendo em Salvador. Inúmeros postos de saúde sem funcionamento devido à freqüência dos assaltos.

Os caras roubam remédios e dinheiro dos médicos e pacientes. Já houve casos de renderem policiais para tomar-lhes as armas.

Otávio Mangabeira, político baiano, resumiu tudo numa frase lá pelos anos 50:

"Conte-me um absurdo e eu lhe mostrarei um precedente na Bahia".

Aí Armando Oliveira, jornalista gente-fina que nos deixou faz pouco tempo, completou:

"A Bahia é o Brasil levado às últimas conseqüências".