Tendo em vista o pouco que se publica em português (e com um mínimo de conhecimento do assunto...) sobre a situação interna no Irã, resolvi colocar a seguir a tradução de 
um texto de Daniel Berman no blog 
FiveThirtyEight, e que desnuda alguns fatos que não costumam aparecer com frequencia na mídia ocidental.
(Para quem tiver facilidade com o inglês, sugiro ir direto ao 
texto original, incluindo um interessante debate nos comentários, até porque como tradutor sou apenas esforçado...).
 
Nos últimos meses, a  política interna iraniana perdeu espaço na mídia ocidental,  especialmente pelo foco voltado para os problemas do Iraque e do  Afeganistão, ficando apenas as discussões intermináveis sobre o programa  nuclear do Irã. Mas isso não significa que a luta política dentro do  regime parou. Os últimos três meses tem sido dominados por um confronto  entre o presidente e o Parlamento, a partir da tentativa do governo de  Mahmoud Ahmadinejad de aprovar uma lei que possibilitasse assumir o  controle da maior universidade privada do Irã, o que provocou um choque  com o Principalistas (termo que os fundamentalistas usam para si  próprios), majoritária na Majlis, o Parlamento do Irã . Este conflito,  por sua vez, prenuncia uma grande luta pela sucessão do presidente e,  especialmente, do Líder Supremo Ali Khamenei.
A batalha sobre a  Universidade Azad, um sistema de campi que atende mais de um milhão de  estudantes, é tudo menos uma questão acadêmica, a partir do patrimônio  líquido da instituição, estimado em cerca de 250 bilhões de dólares.  Porque a universidade está intimamente ligada com o ex-presidente  Rafsanjani, a disputa é parcialmente um esforço por Ahmadinejad para  atacar seu poderoso rival, e em parte uma tentativa de reprimir a  agitação estudantil, assumindo o controle da maior universidade do país -  uma universidade que, até recentemente, havia sido um refúgio seguro  para a oposição. Mais importante, porém, o conflito representa a  alteração das posições políticas do Presidente e do Líder no mundo  criado pela eleição presidencial de 2009.
Central para a essa  nova ordem das coisas, é a independência do presidente em relação ao  Líder. As notícias no momento das eleições foram fortemente focada na  pessoa de Khamenei, algo que foi, em muitos aspectos incentivado pelo  próprio Ahmadinejad, que parecia tentar, à sua maneira, separar-se dos  acontecimentos. Ahmadinejad deixou o país um dia depois que os  resultados foram anunciados, e ainda criticou (ao menos oficialmente e  de maneira pouco enfática) a repressão que se seguiu. Contrariamente às  sugestões de que a natureza de sua reeleição iria enfraquecê-lo,  Ahmadinejad emergiu ainda mais forte, até porque Khamenei, no decurso  das eleições, perdeu parte de seu poder simbólico ao tomar partido. Na  realidade, a autoridade do líder sempre dependeu de sua mediação entre  as facções e, embora muitas vezes alinhado com Ahmadinejad, o próprio  fato de que ele poderia a qualquer momento intervir apoiando os  adversários do Presidente fez com que o apoio dele fosse vital para os  aliados de Ahmadinejad. Entretanto, com os adversários impotentes, a  importância e a influência de Khamenei diminuiu dramaticamente, e ele  foi forçado a se mover para criar uma nova força de compensação que ele  possa usar contra as ambições do presidente.
Isso explica os  desesperados apelos de Khamenei para figuras como Rafsanjani,  instando-os a permanecer dentro do sistema, bem como a sua recente  declaração de que os iranianos tinham uma obrigação religiosa para  obedecer ao Líder. Ahmadinejad pode ser muitas coisas, mas tolo não é  uma delas, e ele está claramente consciente de onde se encontram os  últimos obstáculos ao seu poder pessoal. Na verdade, ele começou a se  mover contra eles mesmo antes das eleições do ano passado, quando  demitiu o seu ministro do Interior, Mostafa Pour-Mohammadi, após este  último ter feito um relatório confidencial ao Líder sobre  irregularidades nas eleições de 2008 para o Majlis. Tradicionalmente os  presidentes iranianos aceitam as indicações do Líder para o Ministério  do Interior, e Khamenei deixou claro o seu descontentamento com a  demissão, fazendo de Pour-Mohammadi seu conselheiro pessoal em questões  de segurança. O atual embate sobre a Universidade explicitou o  confronto, pois ao invés de ser entre um grupo de "conservadores  dissidentes" e o Presidente, é com Ali Larijiani, o Presidente do  Majlis, que é um ex-membro da equipe de assessores de Khamenei, e que já  representou o Líder internacionalmente. O simples fato de Larijiani, um  homem tão próximo de Khamenei, estar agora à frente de uma coalizão que  se estende desde os poucos reformistas ainda restantes no Majlis até a  corrente majoritária dos Principalistas é sintomática do grau em que  Ahmadinejad é temido em círculos poderosos.
A questão da sucessão  do Líder destaca-se dentre esses temores. Com Khamenei tendo já 75 anos,  as manobras relativas a sucessão de manobras vem tendo em curso há  algum tempo. São amplamente conhecidos rumores de que Mojtaba Khamenei, o  filho do atual Líder, está interessado na posição, e que esse interesse  está por trás de seus esforços em nome de Ahmadinejad, tanto em 2005  (quando ele pediu à Guarda Revolucionária para fazer campanha em favor  de Ahmadinejad), quanto em 2009 (quando é dito que ele foi muito mais  longe). Porém, Mojtaba não é um aiatolá, e tem poucas credenciais  religiosas, e apesar disso poder torná-lo atraentemente fraco para o  círculo de poder do presidente, todos os esforços para elevá-lo seriam  repletos de dificuldades, exatamente pelas mesmas razões. Como  conseqüência, ele parece ser o único a levar sua candidatura à sério.  Mais plausível como candidato é o aiatolá Taqi Misbah-Yazdi, mentor  religioso do Ahmadinejad. Visto como o ideólogo da extrema-direita  religiosa em Qom (centro religioso iraniano), Misbah-Yazdi tem  reiteradamente defendido a utilização da violência como justificável em  disputas políticas, e há rumores de que no ano passado que ele ainda  mais longe, com a emissão de um decreto religioso apoiando o assassinato  de manifestantes . Ele defendeu atentados suicidas, afirmando que  "quando a proteção do Islã  e dos muçulmanos depender de operações de  martírio, elas  não só são permitidas, mas se tornam uma obrigação. "
A perspectiva de  Misbah-Yazdi como líder é algo que não deve assustar apenas os  iranianos. Um regime iraniano liberado mesmo da ficção de um compromisso  com a democracia seria um potencial aliado de ditaduras ou de grupos extremistas em todo o Terceiro Mundo, ao mesmo tempo que o zelo  revolucionário internacionalista de Misbah-Yazdi e seu círculo, em falta na elite iraniana desde a década de 1980, seria dado "à rédea solta".  As  consequências para o Ocidente seriam enormes, indo desde questões como  conflito entre Israel e os palestinos até a luta contra a proliferação  nuclear, especialmente com um regime que não só não se preocuparia com o  isolamento  que as sanções internacionais trazem, mas que poderia até  recebê-lo (o isolamento) de bom grado. Misbah-Yazdi indicou que ele vê  asinfluências estrangeiras como a força motriz por trás da alienação da  juventude iraniana em relação ao islamismo, e que as perspectivas de  investimentos estrangeiros seriam a motivação por trás da "apostasia" de  figuras como Rafsanjani. Parece duvidoso que ele encontraria muito o  que temer nas ameaças de novas sanções por parte do governo Obama.
Dada a importância da  posição para o futuro do Irã, é improvável que as  forças  anti-Ahmadinejad no Irã se finjam de mortas. A eleição para a Assembleia  dos Peritos, em 2006, foi uma das poucas ocasiões em que o Conselho dos  Guardiões, normalmente não desafiador, se postou contra o Presidente,  desqualificando um grande número de candidatos pró-Ahmadinejad,  incluindo o filho de Misbah-Yazdi. Quando a Assembléia se reuniu para  eleger seu Presidente, Rafsanjani derrotou Misbah-Yazdi por uma votação  de 41-31, com o presidente do Conselho dos Guardiões, o linha-dura  aiatolá Jannati, tendo 14 votos. A vitória de Rafsanjani,entretanto,  revelou-se limitada. Sua base de apoio falhou em permanecer unida em  face da intimidação pelos Basij (forças paramilitares) no verão passado,  e não há razão para acreditar-se  que faria muito melhor agora e no  futuro próximo, quando os riscos são potencialmente maiores.
Como conseqüência,  enquanto Rafsanjani prefere sua própria candidatura, e os reformistas  preferem qualquer não-Principalista, a alternativa mais provável para  Misbah-Yazdi é provavelmente um Principalista anti-Ahmadinejad, com o  nome de Hashemi Shahroudi, o ex-chefe de Judiciário. Um dos líderes da  repressão judicial aos reformistas ligados ao ex-presidente Mohammad  Khatami, Shahroudi dificilmente poderia ser tomado como um moderado, mas  ele tem sido um forte crítico de Ahmadinejad, atacando a concentração  de poder econômico e político nas mãos da Guarda Revolucionária e  criticando a mídia estatal para cobertura das eleições, que ele alegou  ter sidoi tendenciosa em favor do presidente. Esse é um testemunho da  fraqueza política dos reformistas, e até mesmo dos Principalistas  moderados,  que são susceptíveis de estar na posição de apoiar um homem  que o prendeu milhares de jornalistas e ativistas pró-democracia, mas é a  oposição à Ahmadinejad e não a ideologia que une a oposição iraniana,  ou pelo menos as partes que permanecem dentro do regime.
Isto é, se eles  seguirem as regras. Na atual disputa, Ahmadinejad mostrou poucos sinais  de estar disposto a deixar a oposição do Majlis detê-lo. Logo após a  votação e aprovação da lei, os Basij fizeram um grande protesto na frente do prédio do  Majlis, insultando seus membros como ladrões, e no dia seguinte, eles  impediram a entrada de deputados suficientes para conseguir uma maioria  para a inversão da votação anterior. Pouco tempo depois, o aiatolá  Sadegh Larijani, líder do Judiciário, invalidou uma decisão judicial que  havia suspenso os efeitos da nova lei. Enquanto o Líder Supremo  interveio em 25 de julho, pedindo que as partes recuassem, um analista  político iraniano disse ao Turkish Weekly que "O Líder Supremo já não  detém o poder de conduzir os fatos. Muito em breve, uma nova rodada na  luta pela Universidade Azad começará”.